domingo, 30 de janeiro de 2011

Reflexões de domingo II















Ontem foi um dia especialíssimo. Fui com a Patricia levar os brinquedos no abrigo do Alto de Vieira. As crianças já a conheciam do final de semana anterior. Chegamos, e eles logo perguntaram se nós iríamos fazer alguma atividade com eles. Nunca vou me esquecer do brilho nos olhares quando abrimos a mala do carro. Combinamos que faríamos uma brinquedoteca, e assim todos os brinquedos seriam de todos. As crianças entraram na mala do carro e não queriam mais sair. Com muito custo, organizamos umas mesinhas e colocamos os brinquedos. Um deles veio me perguntar se poderia ficar com um dos bonecos, e eu disse que ele poderia brincar o quanto quisesse, mas que era de todos então ele não poderia levar para casa. E aí ouvi: "eu não tenho casa". Isso me partiu o coração. Assim como tamanha felicidade por alguns brinquedos também me deixou com o coração partido.

Tinha um pessoal de uma ONG (SOS Global) fazendo atividades de recreação com as crianças - eram psicólogos, recreadores, voluntários que se dispuseram a vir para Teresópolis para fazer qualquer tipo de atividade. Conversamos com muitas pessoas e chegamos à conclusão de que essa tragédia aflorou problemas antigos que sempre existiram. Essas crianças sempre conviveram com piolho, insalubridade, má alimentação e problemas de relacionamento dentro das comunidades. A vida no abrigo sob o olhar de tantas pessoas de fora apenas intensificou e expôs a situação.


O abrigo estava mais tranquilo, mais organizado e melhor atendido. Mas ainda longe de ser uma situação que dê dignidade a qualquer ser humano. As lavouras por toda a estrada estão voltando a ser trabalhadas. E as pessoas estão voltando para as casas que restaram. Não sei o que vai ser da zona rural. Hoje vi no Diário de Teresópolis que vai ter um acampamento do Rotary com o ShelterBox em Vargem Grande, o que atende a algumas pessoas do Terceiro Distrito. Ainda não vi nada a respeito do segundo Distrito. As pessoas do interior têm que ficar no interior, onde elas trabalhavam. O desemprego está aumentando cada vez mais, ouvimos a respeito de restaurantes, hotéis, fábricas, lojas e principalmente lavouras reduzindo o pessoal. A cidade vai enfrentar uma recessão das brabas.


As escolas são outro assunto de grande preocupação. A escola Municipal de Ponte Nova ainda está fechada, cheia de lama. Vários alunos desaparecidos, ou em outra localidade em casa de parentes, amigos ou abrigos distantes. Ouvi que uma escola perto do Quebra Frascos, com excelente estrutura, não vai reabrir porque dos 100 alunos que a frequentavam, morreram 80, restando apenas 20. O Município adiou o início das aulas para o dia 07 de fevereiro, mas ainda não vejo como isso vai acontecer.

Dizem que grandes idéias nascem em momentos de crise. Sei que de nada vale uma crise se não tirarmos uma experiência. Espero que a grande mobilização que vejo de ONGs, voluntários anônimos, interesse de todos, continue por muito tempo. A cidade precisava disso antes da catástrofe. Vai precisar ainda mais agora. Corro de um lado para o outro, tento levar alguma coisa para alguém. Mas dentro da minha experiência de vida, não sei por onde começar essa segunda fase, que agora vejo que será muito longa e a mais importante. Gostaria de poder confiar em políticos, em promessas, em grandes empresários. Mas sei que esse povo vai ficar desamparado, vai continuar na ignorância, na insalubridade, em condições de vida desumanas. Isso aqui não é a África, não é o Haiti, não é o Afeganistão. É a minha cidade. É o verde lindo que vi desde que nasci, é a terra por onde ando e trabalho. E nesse domingo de sol lindo, o céu azul agora contrasta com as montanhas de verde arranhado e pedras expostas, ainda me pergunto como é que caiu tanta chuva em tão pouco tempo, de onde surgiram tantas pedras e onde é que essa destruição toda vai levar essa cidade.


Coloco fotos das crianças com os brinquedos em Vieira. Dizem que as crianças não sofrem tanto quanto os adultos, por não terem tanta noção da realidade. Essas crianças sofrem, essas sabem exatamente a realidade que vivem. Mas os sorrisos...

6 comentários:

  1. Paulinha suas fotos e seus relatos são tocantes...de emocionar e sempre muito verdadeiros ! Que linda atitude vc e Patricia com o povo da tua cidade ! bjs Mary

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  2. parabens pela iniciativa. parabens pelo bom senso!
    parabens pela coragem. parabens pra vc!

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  3. O retorno ao Abrigo do Alto de Viera foi pra lá de especial.... Já estou pensando em uma nova arrecadação para o final do mês...
    Obrigada por você existir!!!
    Beijos
    Titi

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  4. Oi pessoal,
    podemos fazer brinquedos com lixo urbano, tipo pet, frascos de danoninho, potes em geral. Tenho visto muitas ideias, navegando pela net. Já me coloquei à disposição, falando com a Fernanda. Assim que as pessoas envolvidas estiverem dispostas, estou aqui para o que der e vier.
    Como sempre, orgulhosa de todos vocês, verdadeiros herois, que tiram forças, com certeza de Deus, pois só ELE tem como capacitar e fortalecer aqueles que se dipõe ao serviço do irmão necessitado.
    bjs
    Tia Raquel

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  5. Estou encantada com o que li no seu Blog....não a conheço pessoalmente, mas já sei o quanto você é maravilhosa! Assim como sua irmã, Patrícia, mãe do meu querido aluno João...pessoas que fazem a diferença! Assim que as aulas recomeçarem falarei com o João...quem sabe fazemos algo pra mobilizar o pessoal da escola e arranjar mais doações...Beijos, Alessandra Marques

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  6. Obrigada a todos.
    Tia Raquel - vai ser ótimo dar um destino às milhões de pets...
    Alessandra - mobilizar as crianças é ótimo, tanto para quem ajuda, quanto para quem é ajudado!

    bjs

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