domingo, 16 de janeiro de 2011

O início.







Decidi começar a escrever tudo que está acontecendo. Eu acho que é o meu lado "jornalista" se manifestando. Não quero apagar da memória tudo que estou vivendo nesse momento tão delicado da minha cidade querida, onde vivi os melhores momentos da minha vida, onde durmo e acordo quase todas as noites, onde faço o que eu mais gosto - trabalhar. Coloco fotos no Facebook, mas não são o suficiente para colocar para fora. Pelas minhas andanças tentando levar um mínimo de ajuda para quem quer que seja, escuto diversas histórias de salvamentos ou mortes, e concluí que as pessoas querem (e precisam) falar. Eu também preciso. Não quero exaurir as pessoas mais do que já estamos com esse assunto. São 24 horas no ar desde a manhã do dia 12 de janeiro, início da constatação da tragédia. Não podemos desgastar as nossas forças e muito menos a nossa paciência tão rapidamente. Isso é assunto para durar meses e anos. Se ainda não conseguimos estimar o número de mortos após 5 dias, quando teremos condições de calcular prejuízos, de refazer as cidades e as vidas das pessoas????? Por isso, a decisão de fazer um blog. Não quero que esse assunto seja esquecido em 10 dias ou um mês. Não terei condições de postar atualizações diárias por muito tempo. A vida vai ter que, forçosamente, retomar um pouco da normalidade. As pessoas precisam trabalhar, produzir, andar para frente. E nisso o tempo vai ficando curto novamente, a memória vai mostrando a sua fraqueza, e o assunto vira uma vaga lembrança do que aconteceu no verão de 2011.

Acordei no dia 12 de janeiro, depois de uma noite de MUITA chuva, ao som do gerador de energia do prédio da frente. Saindo para trabalhar, o sinal da esquina não funcionava, estávamos sem luz. Por ser muito cedo, achei que devia avisar à Guarda Municipal, que me informou que os acessos estavam muito complicados, mas eles já sabiam do problema. Bom, seguindo o meu caminho pela Prata, vi as inúmeras barreiras no morro do lado direito da Faculdade. Nunca tinha visto igual. Acesso interditado na Prata, voltei pela Rio-Bahia, acesso interditado também. Sintonizei o rádio do carro na Band News FM, e o Boechat já começava a narrar o início da história. Mortes em Friburgo, mortes em Teresópolis. O número só aumentava. Depois de liberarem uma pequena faixa na Prata, cheguei ao Haras. Tudo bem por lá, mas em Venda Nova, no Imbiú, em Sebastiana.... meu Deus! Os ônibus não estão circulando. Vieira acabou! Os relatos começavam a chegar pelo meu celular, que era o único que funcionava. As pessoas ligavam horrorizadas com as cenas na TV, e nós ainda não tínhamos idéia.

Achei melhor cancelar a ida à Itaipava, onde eu trabalharia de tarde. Sem comunicação, telefones quebrados. Começavam as notícias de lá. Situação muito delicada no Vale do Cuiabá. Cavalo desaparecido, gente morta, raia desabada, perdas materiais enormes. Liguei para o Zeka, não querendo ouvir a resposta - Manège Domar, mais uma vez, arrasado. Pior que da outra vez. Vários cavalos sumidos. Meu Deus! Catástrofe. Ainda assim, eu não tinha noção. Só mais tarde, quando vi o jornal na TV. Caramba. O primeiro dia foi apenas tentando notícias do Cuiabá, tentando saber quem estava vivo. Sabíamos que o Miguel (segundo gerente da Juliana) e o filho do Rogério tinham morrido. Os outros todos estavam vivos, Reisinho tinha se salvado, salvado heroicamente a família e alguns vizinhos, e perdido tudo o que tinha na enxurrada. Noite de horror. Muitos cavalos sumidos, alguns mortos, muitos machucados. A última notícia da noite, os nossos vivos.

Bom, primeira providência do dia seguinte: tentar chegar no Cuiabá. Saímos às 5 da manhã, eu e meu super Pai, com o carro cheio de água, comida, roupas e remédios. Descemos a serra para o Rio, subimos a serra para Petrópolis, e entramos na estrada que liga Itaipava a Teresópolis. Eu já estava ficando impressionada. Ao entrar no Vale do Cuiabá, um local de casas magníficas, lindos campos verdes com ovelhas, cavalos e linda paisagem - o choque total. Devastação, lama, lixo, árvores caídas, casas pela metade, ou só o piso, carros empilhados, pessoas andando a esmo, pés descalços, roupa molhada, rasgada, cheia de lama. Olhos tristes, cheios de lágrimas. Desesperança no local que se chama, por ironia do destino, Vale da Boa Esperança. Deixamos o carro, pegamos alguns litros de água e andamos 4 km por cima de entulho, atolando na lama até os joelhos, ficando cada vez mais horrorizados com a cena. Estaríamos em um filme? Seria um pesadelo, do qual eu não tinha acordado?

Depois de quase 2 horas caminhando, vi o primeiro cavalo solto. Depois fui saber que era o Selo Galante - todo machucado, cheio de escoriações. Aumentava o pavor. O som era das marretadas para quebrar as paredes das baias obstruídas pela lama, cavalos relinchando e andando com água pelos joelhos dentro dos boxes. Alguns cavalos soltos, uma égua deitada exausta. Por onde começar? Como fica a nossa impotência diante dessa cena? Fomos para a casa onde estavam as pessoas. Exaustão, dor, tristeza, desespero nos rostos de cada um. Logo chegou o helicoptero enviado pelo Jóquei com mais veterinários, remédios, comida. Começamos a trabalhar, e vimos que tínhamos muito pouco a fazer - era uma fábrica de antitetânica, antibiótico e antiinflamatório. Oito eutanásias. A força vinha de um lugar muito fundo do peito. Não é hora de chorar ou de lamentar. É hora de agradecer pela vida e ajudar.

Ajudar, ajudar, ajudar. Assim seriam os próximos dias. Ajuda chegando de todas as direçoes, indo para todos os cantos. Com muita ajuda de todos, os cavalos foram finalmente retirados do CT, iniciando o resgate apenas no final do 3o dia da tragédia. O Pedrão, ginásio da cidade, lotado de gente desabrigada, gente ajudando e mantimentos chegando. Decidi que o melhor a fazer seria levar o que eu recolhia para os locais mais afastados. Aqueles onde tinham acabado de abrir algum acesso. E assim passei os dias seguintes - recolhendo roupas, doações, água, comprando pão, sardinha, salsicha, leite, e levando tudo para a roça.



4 comentários:

  1. Uma pessoa com o seu coração e com uma familia como a sua não podia fezer diferente...te vi hj, abatida , magrinha, mas com uma força interna absurda que percebi na tua voz, no teu olhar,naquele carro lotado de donativos...as fotos do teu pai andando sobre escombros com uma sacola na mão me arrepiaram...não sei mais o que dizer, não tenho o teu dom das palavras , apenas sinto...e de coração te agradeço por tudo e até por aqueles que talvez hj não podem agradecer...bj
    Mary

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  2. E ainda te chamam de Paulinha! Você e uma gigante!
    Há muitos anos tive o privilegio de te conhecer e o seu trabalho incansável!
    Se o mundo tivesse mais Paulinhas certamente seria um lugar mais justo, responsável e principalmente HUMANO!
    Parabens, obrigada pelo seu exemplo e de cuide também!
    Beijos orgulhosos pela sua amizade,
    Mariela.

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  3. Paulinha, te coheço apenas de nome sou marido da Erica Roier, e epero um dia poder te conehcer pessoalmente, pessoas como você precisam fazer parte de nossas vidas. Parabéns, tenha força e siga em frente.

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  4. Paulinha, fico muito feliz em ver que vc está bem e com essa força toda, sei o quanto que é capaz mesmo lhe conhecendo pouquíssimo e tendo somente alguns momentos de convivio.
    Obrigado por tudo que vc tem feito para todos, pessoas como vc é que fazem a diferença.
    Conte comigo para o que precisar, estarei sempre à disposição.
    um grande bjo,

    Renata cony

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