terça-feira, 18 de janeiro de 2011








Uma coisa que chama a atenção é a solidariedade. Desde o início do caos instalado, são pick-ups lotadas de donativos, carros andando com a mala arreada de tanto peso cruzando para todas as direções da cidade e gente tentando ajudar de todos os lados. Até que isso virou um certo caos, e surgiram as histórias de ágio na água, velas por 15 reais, gente roubando donativos para vender. Isso era de se esperar, afinal de contas, não tem político que rouba merenda de criancinha? É um belo exemplo... Tiraram os desabrigados do Pedrão, que vai continuar como centro de triagem de distribuição dos donativos. Cadastraram voluntários, e estão tentando dar uma controlada. Por enquanto só aumentou a burocracia, mas acreditdo que seja realmente a única maneira de organizar a situação.

Ontem estive na cidade para tentar resolver umas coisas no banco, que tinha um fila imensa, já que uma das agências do Itaú estava ainda fechada. As lojas abertas, carros circulando, mas o que mais me chamou a atenção foi o silêncio. Era um silêncio de domingo, um silêncio incômodo, um silêncio de luto. Hoje quando cheguei no Haras descobri que um dos rapazes que trabalham na obra do muro perdeu a mãe. Literalmente perdeu, já que ainda não foi encontrada. E ele estava lá trabalhando. Morreu o Damásio e o filho, gente que eu conheço desde que começei a montar, há 26 anos. As histórias de mortes e perdas continuam chegando. Gente vendo a casa desabar ao som de gritos das pessoas nas enxurradas. Gente com perda na audição pelo estrondo das pedras rolando. Gente que vai demorar muito para voltar a ser gente.

Hoje comecei o dia entregando o material de limpeza que comprei com a doação da Sandra no centrinho de distribuição de Sebastiana. Vi lágrimas nos olhos do Jaime, um dos voluntários, quando ele me viu com vassouras, rodos, caixas de água sanitária, detergente, sabão em pó, sabonetes e pasta de dente (as escovas tinham acabado na loja). "O que você trouxe vale mais que ouro!" E mais uma vez, ele fez questão de me mostrar todos os registros das pessoas que levam as coisas. Os olhares de agradecimento são de doer fundo. Alguém já pensou em agradecer por ganhar uma água sanitária? Mas é agradecer mesmo, de verdade. Marcaram com um caminhão de gás às 10 da manhã de hoje para os moradores trocarem os seus botijões ou comprarem um pelo preço justo, supervisionado. Com que dinheiro????

Mais tarde comprei uma caixa de pão no Seu Nelsom (que sempre me dá mais do que eu compro), juntei com uns lençóis daqui de casa e levei na Igreja em que a Michelle está trabalhando. Era aniversário de 5 anos da Júlia, e eles fizeram uma festinha para ela. Com direito a cachorro quente, coca cola, bola, chapeuzinho, bolo e vestidinho de princesa. As crianças estavam se divertindo. O super quarto todo organizadinho, tudo direitinho. A Patricia conseguiu remédio para piolho, que a Michelle tinha pedido. Isso me fez refletir um pouco sobre esse importante papel das Igrejas. Passei por diversas que estão servindo como abrigo. Nas cidades pequenas, além do credo particular de cada um, as igrejas são a atividade social que acontece. E nessa hora, estão fazendo um super trabalho. Mas quanto tempo as pessoas podem aguentar viver em um abrigo comunitário? Quanto tempo vai levar para a reconstrução da dignidade humana?

Muita coisa passa pela cabela enquanto eu estou rodando. Ouvi hoje uma definição perfeita: é uma guerra sem guerra. 715 mortos contados às 22h do dia 18 de janeiro. Onde essas pessoas vão morar? Onde vão trabalhar? QUEM vai trabalhar? Teresópolis já sofria com a falta de mão de obra antes, agora então... As lavouras destruídas, as fábricas fechadas, a cidade toda contaminada pela morte.

No fim do dia, depois de deixar algumas coisas com a Luiza, que cuida de 26 cães que ela pega na rua para adoção e está semi-ilhada, fui jantar com o André e a amiga dele, a Débora. A Débora é do DRM (Departamento de Recursos Minerais), e estando com dois geólogos, como não poderia deixar de ser, o assunto foi o acidente geológico em questão. Foi bom ver a situação por outro ângulo. Falamos de morte, claro, pois a Débora fica andando no meio dos escombros analisando as áreas de risco, as casas desabadas ou quase desabadas, ou as que vão desabar, e acaba vendo corpos ou escutando as histórias de que quer botar para fora. Mas eles falaram muito da violência do fenômeno. Cada bloco gigantesco de pedra que rolou, provocou um "sismo" local, levando à queda de outro e assim sucessivamente, tipo dominó. Diversas trombas d'água, os deslizamentos devido ao tipo específico de terra sobre outro tipo específico de rocha, a linha formada de Friburgo a Itaipava, a mudança no relevo. Isso mesmo, houve uma mudança no relevo. Locais que antes eram mata, agora tem uma cachoeira, locais onde houve mudança no trajeto do leito do rio, e o perigo de empurrar a terra deslizada contaminada por corpos ou partes de corpos para dentro do rio. Falamos ainda do perigo das comunidades da Fonte Sante e Vale da Revolta, que ficaram intocadas, mas são casas construídas sobre um antigo aterro sanitário, vulgo lixão, ou "Morro do bumba" em potencial.

Fico imaginando o caos do seguinte anúncio numa comunidade de milhares de habitantes: "SAIAM DAS SUAS CASAS IMEDIATAMENTE. DENTRO DE 2 HORAS UMA CHUVA TORRENCIAL VAI CAIR E VAI VARRER ESSE BAIRRO DO MAPA".

Não tenho donativos para levar amanhã. Estava esperando uma pessoa que disse que viria hoje do Rio com o carro lotado, mas transferiu para 5a. Fiquei me sentindo como uma criança quando tem uma expectativa não realizada, frustrada. O pior é que eu tinha prometido essas coisas para uma galera... Mas em compensação, na quinta chega a kombi com os donativos que estão na casa da minha irmã e na Holos, fábrica do Lorenzo!!!! Oba!

Um comentário:

  1. Inha! Voce é demais!!!
    Amanhã estarei ai te ajudando um pouco!
    Beijos e te amo muito
    Titi

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