terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Vieira - Teresópolis

Seguem dois e-mails de um amigo, o Wagner, que tem um sítio em Vieira. Oprimeiro é do dia 16 de janeiro, após a sua visita ao sítio no primeiro sábado depois da tragédia. Ou outro, do 24 de janeiro, após a sua visita no segundo sábado depois da tragédia.


16/01/11
Alo Amigos


vim agora de umas das áreas atingidas pelas chuvas, meu sitio fica ao lado da cabeceira do rio Vieira, a 5 km da cidade de Vieira, uma região agrícola e de morros, onde agricultores passam a cultivar no terreno plano perto do rio, ou aplainada cortando algum barranco.


A chuva deste ano deve ter sido a maior de 1 ou duas gerações, mas pelo formato das pedras o leito do rio voltou ao que era a milhares de anos. de 2 metros de largura passou a ter 100, e as pessoas que moravam neste leito tiveram que decidir entre enfrentar a enxurrada ou ficar em casa. Decisões difícieis, que decide sua vida e de sua família.


Meu sitio foi pouco afetado, por ser no topo de uma cadeia de montanhas e com 80% de mata, não tivemos enxurradas e apenas deslizamento localizado, mas muitos vizinhos perderam tudo nas águas ou nos barrancos que caíram logo em seguida, apenas para ficar em exemplo mais próximo, os caseiros perderam 6 pessoas da familia moradores na região (tios e avós) ,
a filha perdeu a casa, pois saiu 2 minutos antes dela desabar.


Vi de tudo, pessoas ajudando no salvamento e recuperação, pessoas roubando casas abandonadas mesmo de dia, pessoas conformadas e confiantes no futuro, e outras ainda paralisadas pelo choque da catástrofe.


Pude ver muita ajuda entre moradores, ajuda material chegando na cidade e mesmo sendo levada aos lugares distantes. Vi vizinhos que não se falavam dormindo sob o mesmo teto, e comendo na mesma mesa. Mãe se despedindo de filhos antes da água subir, e filhos que quase perderam a vida tentando chegar na cidade dos pais.


Não me cabe perguntar o porque de tanto sofrimento, um plano maior conduz nossas vidas e coloca tudo isto para nossa evolução, me cabe sim, ajudar no que for possível, seja materialmente ou em orações. A vida de todas as pessoas da cidade estarão fortemente abaladas e espero que com a alma fortalecida.


Wagner





24/01/11
Amigos


11o dia após o temporal da serra fluminense
Estamos voltando para o Rio depois de um final de semana na serra em nosso sítio em Vieira.
Os últimos dias de sol deram vivacidade à natureza, e no meio da destruição,as pessoas apesar de tristes, estão retomando seu trabalho nas lavouras.Levando verduras e legumes nas costas ou com ajuda de pequenos tratores por caminhos e pontes improvisadas. Até onde a vista alcança estimamos que um quinto da área cultivada foi perdida.

Chegamos por volta das oito da manhã do dia 20 de janeiro. Na Terê-Friburgo, RJ 130, alguns trechos sendo desobstruídos, com meia pista. Seis a sete máquinas no centro de Vieira, com diferentes logos, trabalhando na retirada de escombros e lama, pontes sendo refeitas, linhas de telefonia e de eletricidade em recuperação.

Ao visitar conhecidos que perderam as casas, ficamos felizes pela assistência dada a esses moradores.

Cestas básicas e roupas distribuídas com fartura, trilheiros de moto indo de casa em casa onde apenas se passa por trilhas devido aos desbarrancamentos perguntando a idade das crianças, a necessidade de remédios e voltando em seguida com os medicamentos, fraldas, leite, brinquedos. Soldados do exército retirando a lama de casas, cruz vermelha e veículos 4X4 de voluntários circulando e distribuindo víveres e água mineral. Assistência não está faltando.

O antigo posto foi destruído, por isto um provisório foi instalado em uma escola municipal, médicos e enfermagem atendendo a todos, fornecendo remédios e vacinando contra tétano.

Difícil está sendo conseguir máquina para desobstruir vias vicinais. A solução costumeira dos vizinhos se unirem num trabalho de mutirão desta vez não é possível porque os troncos a serem retirados são muito grandes. Não há máquina particular disponível para ratear o custo. A solução foi correr atrás de máquina do poder público, o que só ocorreu hoje.

A energia elétrica voltou em 7 dias, proporcionando o conforto de água gelada, banho quente, roupa lavada na máquina, iluminação à noite, rádio e televisão. A telefonia demorou mais e não está totalmente restabelecida. Nos momentos em que está funcionando possibilitou ter notícias de parentes e amigos, alguns que se julgavam perdidos.

As atitudes tem sido as mais variadas. Desde aquele que agradece ajuda porque já a recebeu e naquele momento não precisa até o que acumula doações para vendê-las. O dono de supermercado que abriu um caderninho de fiado, para suprir as necessidades imediatas dos seus fregueses, aquele que fechou as portas e demitiu funcionários pois suas vendas ficaram quase nulas, e o que aumentou demasiadamente os preços de arroz e feijão, sendo autuado pela polícia.

Percebe-se a falta de informação das pessoas do local. O rio Vieira parece ter retomado seu curso natural, desviando-se em muitos metros do caminho que tinha recentemente. Depois de uma semana sem chuva voltou a correr em seus dois metros de largura, mas deixando uma margem de aproximadamente 50 metros para cada lado cheio de pedras. È como se ele estivesse cansado de ficar tão apertado nos últimos 100 anos, e retornou ao tamanho original de milhares de anos....

Tidas como terras particulares, os donos pretendem aterrar as margens e voltar a plantar e mais tarde construir, ainda há terrenos cedendo, casas debaixo de voçorocas que a cada ano aumentam, e nesta enxurrada em particular, transformaram-se em gargantas, sem que as pessoas se convençam do perigo que correm.

Neste momento a pressão por moradia é enorme, a maioria das famílias desabrigadas está vivendo com parentes, outras em abrigos.

O tempo que cura feridas, também faz esquecer os perigos. Vivemos em uma época de extremos, a superfície vegetal nunca esteve tão devastada e a chuva tão intensa. Se algumas áreas que não eram de risco desabaram, as de risco desabaram todas.

Na região serrana todas as pessoas foram atingidas pela chuva de 12 de janeiro, seja pela perda de parentes ou amigos, pelas perdas materiais, ou pelo sério impacto econômico que já se faz sentir na região. A corrente de solidariedade se fez sentir em cada necessitado, a capacidade de recuperação dependerá do poder público, de cada indivíduo atingido, e daqueles que contribuíram para amenizar suas perdas.

A natureza não está reagindo contra nós, apenas retornando o que mudamos ou retiramos dela, cabe a nós aprendemos a conviver com ela, e nisto não estamos nos saindo bem.


Wagner

Nenhum comentário:

Postar um comentário