segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Cadê esse governo?????

Hoje dei uma parada na Escola Aluízo Souza Silva em Providência. É uma escola que não funciona desde a sua inauguração, porque foi construída na beira da estrada (BR 116), onde não tem passarela ou retorno para acessá-la. Seria uma escola para todo o ensino médio, com salas de informática, biblioteca, quadra, refeitório, enfim, tudo. Mas nunca funcionou, mesmo tendo sido inaugurada pelo governo do último prefeito. Eles recolhem muitos donativos, e os distribuem para todas as regiões do segundo distrito de Teresópolis. Algumas pessoas vão até lá buscar alimentos, ou então eles levam para as áreas AINDA isoladas, como Santa Rita. Parei lá para deixar algumas coisas que a Edith me trouxe, coisas vindas direto da França por aeromoças da Air France.
Fiquei, junto com o meu pai, conversando um pouco com o Martins, coordenador das ações de lá. Os problemas vão surgindo. Os agricultores encontram uma dificuldade imensa em entregar os seus produtos. Antes da enchente, eles empilhavam as caixas com a colheita na beira da estrada, em frente à lavoura, e um caminhão passava e recolhia. Hoje, eles precisam caminhar uma distância imensa, carregando caixas pesadas, uma a uma, até a beira da BR, onde os caminhões podem passar. Outro problema sério está senda a volta às aulas. As crianças estão sentindo enormemente a falta dos amiguinhos mortos ou desaparecidos. Amanhã o Martins vai buscar uma psicóloga na rodoviária que vem para trabalhar em algumas escolas. Voluntária do Viva Rio. O Viva Rio é quem mais faz doações nessa região. Tem muitas pessoas ajudando também, e isso o Martins fez questão de falar, mas o grosso vem do Viva Rio.
Onde está o governo, que já era para estar fazendo o que os voluntários ainda fazem? Já era para estar equipando novamente os agricultores, já era para estar dando apoio psicológico às crianças nas escolas, era para estar investigando esse aumento abusivo no valor dos aluguéis de imóveis.
Que governo é esse que rouba até não poder mais? Quanta burrice!!!!!! Se ele tivesse fazendo uma mínima política populista, teria cadeira cativa na prefeitura. O povo sentiria um mínimo de amparo, e isso faria uma diferença moral enorme. Não teria esse sentimento de abandono, que é o que eu mais vejo por aí. Pessoas isoladas, pessoas que perderam absolutamente tudo (inclusive vidas de pessoas direta e indiretamente relacionadas), pessoas sem a menor perspectiva de um futuro, ficam esperando alguma ajuda que chega eventualmente em um jipe ou uma moto ou por alguém a pé. Ajuda que chega de forma totalmente independente, dentro do limite que cada um pode oferecer. Enquanto isso, nosso digníssimo prefeito Jorge Mário faz o que????? Esse vídeo é uma pequena amostra do que anda rolando por aqui.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Noite de pesadelo


Essa noite tive muitos pesadelos.


Ontem fui a Santa Rita com o pessoal da WSPA e alunos da UNIFESO ver um cavalo machucado na enchente. Nada do que eu tinha visto até ontem, tirando o Vale do Cuiabá, chegou nem perto do que eu vi lá, ainda que 30 dias depois da chuva. Para começar, virou uma espécie de "cidade fantasma". O que restou - bares, casas, escolas, lojas - está completamente vazio! Não se vê ninguém nas ruas. Carros enterrados na lama, carros arrastados contra um poste, carros que não é mais possivel identificar a marca. Lama e lixo a uma altura não imaginável. Vilas inteiras simplesmente desaparecidas. Se eu não tivesse conhecido a região antes, não saberia que havia casas em determinados lugares, porque não tem nem vestígio dessas casas. Estou falando de casas boas, e não barracos. Estou falando daquelas famílias que sumiram por inteiro.


Chegando ao local, um antigo haras de puro sangue inglês, as famílias que moravam em suas casas dentro da propriedade estavam todas acampadas em um salão, no que deve ter sido um dia a sede. A Marta, uma protetora de animais, nos levou até lá. Ela própria leva roupas e alimentos (para gente e animais), no carro dela, enfrentando lama, água, buracos e sabe-se lá mais o que, para pessoas que estão isoladas em lugares onde só se chegou na SEMANA PASSADA (quase UM MÊS após a chuva). Nesse haras, tem gente desaparecida que eles imaginam estarem já enterradas em alguma parte da lama, que chega ao topo dos moirões dos piquetes. O potro estava já super bem cuidado pelo Edvaldo, que deu uma super prova de amor aos animais, se preocupando em conseguir medicamentos e tratar um potro quase selvagem, que só deixava ele se aproximar, ninguém mais.


Enquanto a cidade tenta retomar um ritmo normal, me deparo ainda com cartazes em lojas no interior onde se lê "Não fechamos. Estamos funcionando em tal endereço." Ou então, como no caso da Pensão da Ruth, em Ponte Nova: "Restaurante Aberto". Enquanto tentamos retomar a normalidade, escolas no interior ainda não funcionam, ou então as que funcionam, não tem vaga. Ainda escutamos histórias de desaparecidos, que ninguém sabe onde estão. Crianças ainda vibram com um brinquedo velho e usado, que foi doado.


A cidade está tentando reagir, tentando sair das mãos de um governo corrupto e incompetente. Mas enquanto isso, a sociedade civil ainda faz o que já tinha que estar sendo feito pela prefeitura. Ainda visitamos e ajudamos a manter abrigos. Ainda distribuímos alimentos. Ainda vamos nos nossos carros nas áreas desassistidas e ainda isoladas, mesmo 30 dias depois, como ainda faz a Marta, a Luiza, o Alessandro, a Patricia, a Michelle, a Lúcia, a Andrea, o Ricardo, a Ana e tantos outros.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Relexões de domingo III - Um mês depois...

Um mês depois da catástrofe, como está a cidade?
Aparentemente, muita coisa voltou ao normal. Quem não esteve por aqui nos dias críticos, quem não participou das primeiras 72 horas, não pode nem imaginar o que aconteceu. Quem veio passar esse fim de semana em Teresópolis, não viu mais barreiras pela estrada, não ouviu sirenes rodando pela cidade o tempo todo, não viu nenhum helicóptero cortando o lindo céu azul de mais um final de semana de sol. Temperatura agradabilíssima, restaurantes abertos, hotéis funcionando em sua maioria. Que bom.
Tem gente até fazendo turismo por Campo Grande, vários carros ainda andam mais devagar ao passar na Teresópolis-Friburgo na altura de Vieira para observar as pedras e as casas destruídas. E a poeira ainda deixa as suas marcas. Para a maior parte da sociedade, a vida tem que retomar seu ritmo pré-tragédia.
Mas basta passar na porta da Caixa Econômica para ver a constante aglomeração ao redor do painel com os nomes dos 3.000 beneficiados pelo aluguel social, que não será suficiente para pagar o aluguel super valorizado de uma casa, para quem tiver tido a sorte de encontrar uma. Alguns abrigos esvaziaram quase completamente. Os que funcionavam em escolas foram transferidos, como o de Venda Nova. Não tive notícias de Vieira essa semana, mas vou dar uma passada lá. O do Meudom continua recebendo mais gente, transferida de algumas escolas e igrejas. Muita gente arrumou a casa de algum parente para morar.
30 dias dormindo coletivamente. 30 dias comendo coletivamente. Zero de intimidade ou privacidade. Escolas que não vão voltar a funcionar por falta de alunos. Um bairro que teve que se mudar. Fábricas e comércio que tentam fazer as contas do prejuízo. Gente que prefere receber uma cesta básica do que voltar a trabalhar. Gente que prefere deixar de ir à praia no final de semana para ajudar. Nomes de conhecidos que ainda descobrimos na lista de mortos. A lista de desaparecidos pendurada na praça da Igreja. Será que vamos simplesmente nos acostumar com essa situação?
Dias 26 e 27 de fevereiro o CEAT vai fazer um Fórum de Prevenção e Gerenciamento em eventos extremos. Vejo que a coisa tem que ser multidisciplinar. Ainda me preocupo com o impacto psicológico das inúmeras perdas numa sociedade desmantelada. O que será dessa gente que sobrou? Como eles vão aprender a lidar com a morte? Será que eles também irão simplesmente se acostumar?

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ressaca


Como previsto, a vida vai voltando ao normal. Pelo menos para os que não perderam pessoas ou muita coisa. Percebemos algumas mudanças, no entanto. As escolas atrasaram o início das aulas em uma ou duas semanas, o que até me surpreendeu. A escola de Vieira ainda estava, até sábado, na luta para tentar levar os desabrigados para uma igreja, mas eles não querem sair. O que já era uma comunidade complicada, que convivia em pobreza, miséria, insalubridade e relações humanas tumultuadas, ficou mais complicada ainda. Em Vieira, onde passei hoje, as pessoas ainda tiram lama de dentro de casa e das calçadas e algumas casas continuam fechadas. Aos poucos vamos nos acostumando com os "buracos" formados pelos imóveis que não existem mais. De alguma forma, o ambiente é mais silencioso do que antes. Não sei dizer exatamente o que falta, mas acho que falta um pouco de alegria mesmo. Sobra poeira! Tudo e todos andam recobertos por uma camada de poeira.

A solidariedade humana ainda é vista com muita frequência. No CEASA de Friburgo, tem um pessoal que vem trabalhar todo fim de semana e rala muito. A Fernanda tem acompanhado de perto, e ralado junto. Eu estou tentando criar uma rotina "auto-sustentável" de ajuda, alguma coisa que não dependa tanto de mim mesma. O que vemos em todos os cantos é muito cansaço. É como uma imensa ressaca coletiva. Agora já dá para diminuir o ritmo um pouco. Não tem mais ninguem totalmente desabrigado ou passando fome. Mas as necessidades mudaram muito, e é hora de pegar um fôlego e seguir em frente.

Continuo me preocupando com a questão psicológica de uma sociedade que perdeu uma porção bastante expressiva de uma geração, e que ninguém nunca saberá exatamente qual foi. Continuo me preocupando com o lado "assistencialista" de doações. As pessoas precisam receber meios para trabalhar e lugar para morar. Não adianta o sujeito que trabalhava na lavoura ficar recebendo cestas básicas toda semana durante sabe-se lá quanto tempo até que ele tenha condições de comprar seus meios de trabalho novamente. Ele precisa de ajuda para começar a produzir logo. Cada vez mais, ouvimos as histórias de abusos na captação de cestas e suprimentos, mas prefiro pensar nos que são bons e merecedores.
A WSPA está fazendo um trabalho muito legal no auxílio e atendimento aos animais abandonados das regiões mais afastadas. Todos os dias saem grupos de alunos da FESO, junto com veterinários da WSPA e passam o dia tratando, orientado, alimentando esses cães e levando os que estão precisando de cuidados mais delicados para a Clínica da FESO. Tem sido um trabalho muito legal.

Coloquei uma foto que tirei sábado em Vieira. Ainda não me conformo com o tamanho e a quantide de pedras!

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Tragédia anunciada - atualização

A terceira criança, que foi removida para Saracuruna, também faleceu. A mãe perdeu três filhos de uma vez.

Tragédia anunciada

Não, não me refiro à chuva que poderia ter sido prevista pela meteorologia, nem às casas construídas nas encostas dos morros que todo ano desabam, o assunto nem tem relação direta com a catástrofe climática que assolou a região serrana. Me refiro a uma pequena comunidade que faz parte da minha vida diária, por estar localizada exatamente em frente ao local onde trabalho todos os dias. Em um dos meus primeiros posts (aqui) falei da casa que caiu na comunidade chamada "Porto", uma comunidade (termo politicamente correto, para não dizer favela) em frente ao Haras Boa Fé. Entre o rio e a rodovia estadual que liga Teresópolis a Friburgo, tem uma estreita faixa de terra, invadida, com pequenos casebres e uma população que cresce e se multiplica em ritmo galopante.

Todos já ganharam pilhas de tijolos de candidatos a vereadores e títulos de posse de prefeitos. Mas as portas das casas ficam dentro da faixa de proteção marginal da estrada (no acostamento mesmo), as janelas ficam em cima do rio, os pedestres (cada vez mais numerosos) transitam pelo acostamento e as crianças jogam bola de gude abaixadinhos colados à estrada. No início do mês, a primeira tragédia - a casa que rachou, mas não chegou a ser uma tragédia de fato. Hoje, sim. A VERDADEIRA tragédia.

Um motorista, policial cansado, voltando de 48 horas de trabalho e quase chegando em casa, dormiu por alguns segundos depois do primeiro quebra-mola, e invadiu o acostamento, batendo de frente numa casa. Brincando na frente da casa, estavam os 4 filhos do Zé Luiz, que é filho do Sassá, e o próprio Zé Luiz. Um dos meninos morreu na hora, duas das crianças foram levadas com vida para o hospital (uma com ferimentos leves e outra em estado mais grave), e a quarta ficou aguardando a chegada dos bombeiros, que a levaram de ambulância para o hospital, onde ela morreu ao chegar. O Zé Luiz, bastante ferido e em estado de choque, ainda está no hospital. A mãe das crianças está do mesmo estado que se imagina que qualquer mãe possa estar ao ver seus 4 filhos atropelados de uma vez. Uma tristeza sem tamanho. Esta é a notícia publicada no G1.

Há alguns anos levantamos a questão no Nossa Teresópolis. Falamos exatamente a respeito dessa comunidade, que poderia servir como teste para remoção de outras. São aproximadamente 70 famílias hoje. Não é difícil prever que algumas casas vaõ cair e que algumas pessoas vão morrer atropeladas. Grande parte dos moradores passa o dia vagando pela calçada, que é o acostamento da RJ 130. Muitos não querem sair de lá, e até me olham de cara feia, sabendo que eu gostaria de vê-los morando em outro local. Esse seria o momento de entrar uma assistência social, cadastrar todos, e desapropriar alguma área próxima para fazer a relocação. Quantas mortes serão necessárias para que isso ocorra?