segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A chuva voltou



Nove meses depois, a chuva voltou.
As encostas ainda estão "carecas", as casas continuam na beira do rio (mais na beira ainda, já que os rios aumentaram), as pessoas continuam desabrigadas, os políticos continuam ganhando muito, o povo continua vivendo mal.
As estradas de terra já tiveram barreiras na primeiríssima chuva, o Rio Preto subiu 4 metros.
Em Ponte Nova, onde a escola nunca reabriu, as pessoas voltaram para casas condenadas debruçadas dentro d'água, e diversas barreiras de terra deslizada continuam como estavam em 13 de janeiro, o povo tem muito medo. O Jhonatan, que trabalha comigo e mora um pouco antes do trevo de São José, me disse que o pessoal tem passado a noite andando pela rua, vigiando o nível do rio com lanternas.
As "pinguelas" (pequenas e precárias pontes de madeira armadas sobre o rio para passagem de pedestres) ao longo de toda a BR 116 caíram nesse fim de semana. A ponte que dá acesso à Fazenda Suiça, Brejal e redondezas continua levando ao vácuo.
E a estrada de Teresópolis para São José está nesse estado das fotos que coloquei acima.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

5 meses

Ontem foi aniversário de cinco meses! Nosso "filho" está ficando cada vez maior! Me surpreendo que algumas pessoas de fora da cidade ainda me perguntam se eu fui diretamente atingida, como está a cidade, e etc. Me surpreendo que AINDA tem gente tirando casquinha da situação, se fazendo de vítima da enchente, e essas pessoas AINDA se dão bem. Ainda ouvimos comentários do tipo "fulano, que morreu na enchente". Ainda tem muitos lugares como esse, sem a menor atenção do governo (não deixe de ver esse filme).


Mas, apesar de muita reclamação ser em função da enchente, fica a pergunta no ar: tirando as perdas humanas, o que era REALMENTE diferente ANTES da grande chuva?????? A cidade tinha buracos, faltavam ônibus, faltavam médicos, faltava carinho.


5 meses.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Ainda parece que foi ontem

Eu sabia que não conseguiria manter o ritmo de postagens diárias, mas imaginei que conseguiria atualizar ao menos semanalmente. Infelizmente, não consegui comprir a proposta inicial de criação do blog, que era justamente não deixar toda essa catástrofe cair no esquecimento. Eu também sabia que a recuperação de toda a área atingida seria lenta. Mas não imaginei que seria tão lenta, ou em muitas situações, inexistente. Aparentemente, o grande dilúvio caiu no esquecimento, sim. No esquecimento das autoridades incompetentes que deveriam há muito tempo já ter feito alguma coisa, mesmo que minúscula para a nossa recuperação.


Em algumas áreas, o descaso é tão grande, que parece que a chuva aconteceu há uma semana, e não há 3 meses e meio. Os escombros ainda estão por toda parte, numa atitude desafiadora que não permite o esquecimento de quem passa por eles diariamente. Quem visita a cidade se espanta com o abandono de áreas que não foram atingidas. Os locais que estão em recuperação têm o apoio (talvez integral) de iniciativa privada, de doações, de ONGs, como acontece em Vieira, onde a Minha Ajuda Sua Casa faz um trabalho maravilhoso (esse fim de semana teve distribuição de agasalhos).


Tem muita coisa errada. Em Ponte Nova, a escola está abandonada e nunca voltou a funcionar. As crianças foram estudar na Serra do Capim, que fica há uns 10 km de distância. O ônibus da escola passa pelos arredores buscando as crianças. Há três semanas quebrado, as crianças não têm ido à escola. São crianças que querem estudar, que gostam, que são inteligentes e que têm um mínimo de esperança de ter um futuro diferente. É a chance do interior se manter povoado e dessas crianças não precisarem ir para a cidade diariamente. Mas na Secretaria de Educação informaram que há vários ônibus nessa situação. Nos deram o telefone da garagem que faz os reparos, pedindo que ligássemos "colocando mais pressão".


O povo tenta manifestar a sua opinião em demonstrações para tentar tirar o prefeito atual. Mas parece que quem está lá dentro é simplesmente cego, surdo, insensível, só para começar. Enquanto isso, vamos convivendo com escombros, ruas esburacadas, falta de escolas e atendimento médico, políticos que aproveitam a situação para se dar bem (por todos os lados), e um povo feliz por bancar obras de bilhões para reformar um estádio de futebol para receber uma copa do mundo. Vai ser lindo. O país vai ficar ótimo, exatamente como fica um armário entulhado de bagunça escondida da visita. Mas espera só a visitar ir embora e tenta abrir a porta do armário para ver o que acontece...


Não sei a quem recorrer. Não adianta nada só escrever. Caetano tem razão, o Haiti é aqui.

domingo, 13 de março de 2011

Buracos em Terê

















Estes são apenas alguns dos buracos que eu fotografei hoje pela manhã em Teresópolis. A maioria das fotos foram feitas na Reta, principal avenida da cidade. Tem ainda algumas outras perto do Hospital das Clínicas, na Prata, perto da Faculdade de Veterinária (onde ainda tem terra de barreiras que caíram em 12/01) e na Manuel Lebrão, pegando a Rio-Bahia perto da APAE.
Não sei o motivo para tanto descaso com a cidade. Está tudo um horror. O dinheiro, todos sabemos que entra. A saída é que é duvidosa. No momento em que a cidade deveria ser mais cuidada para tentar atrair mais turistas, está parecendo um lixão. Um verdadeiro horror!




sexta-feira, 11 de março de 2011

Japão x terê

Que tragédia no Japão! Nossa, fico imaginando o que as pessoas que estão lá ao vivo e a cores não devem estar vendo e passando. Quanta gente morta, quanta tristeza. Me pergunto também se lá eles irão mentir a respeito do número de mortos, se a população vai ficar abandonada, se o prefeito vai transmitir a impressão que ele está aproveitando a grana que entra fácil pelo estado de calamidade decretada para tirar umas férias e sumir da cidade...
Hoje estamos completando 2 meses de tragédia na nossa região. Hoje fui a Conquista e voltei observando cuidadosamente a região de Vieira. Como é lenta a reconstrução! Vi muitas casas pintadas, lavadas, refeitas. Mas ainda tem muita coisa em escombros. Tem muita coisa sendo reconstruída, ainda tem algumas lojas fechadas. Ainda vemos placas do estilo do Pesqueiro - "Restaurante fechado. Estrada bloqueada". Mas vi bastante obra. As mulheres que já trabalhavam aos montes nas lavouras, agora também trabalham em obras. Os tratores ainda estão na limpeza da terra que, acreditem, ainda está nos cantos das rodovias. Ainda tem muita lama que já foi lama, já foi poeira e agora voltou a ser lama já que estamos entrando no décimo dia consecutivo de chuva.
Quero ver a comparação da reconstrução das cidades atingidas no Japão e da nossa região. Quero ver a comparação do respeito com que vão tratar os mortos e desaparecidos de lá com os de cá.
Quero ver a comparação da atitude dos governantes de lá com os de cá.
Quero ver o que o mundo vai achar disso, e quero ver o tamanho da vergonha que será quando essas comparações forem feitas. Vai ser do tamanho do tsunami...

segunda-feira, 7 de março de 2011

Reflexões de carnaval


Como falei no primeiro post, eu sabia que não conseguiria escrever diariamente por muito tempo. Ultimamente nem tenho conseguido participar dos eventos importantes na cidade. Teve o I Fórum Nacional de Prevenção e Gerenciamento em Eventos Extremos, organizado pelo CEAT e não pude ir. Estou de mudança, e isso consumiu o meu tempo (livre e não livre!) durante vários dias. Mas li a Carta de Teresópolis, resultado do Fórum. Seria muito bom que tudo que é colocado na carta fosse de fato atendido.



Hoje uma tia minha, que mora em São Paulo, me perguntou se eu achava que as coisas já estavam tomando um rumo. Acho que bastante coisa já tomou um rumo. E vejo ainda muita coisa e muita gente perdida, totalmente sem rumo. Cada vez que vou a Santa Rita ainda me espanto com o que vejo. Nunca entrei no Campo Grande, mas acho que não vai ser diferente do que eu já vi que significa quando se diz que "não sobrou nada". Mas vejo as lavouras retornando, gente reconstruindo casas, lojas reabrindo. A escola de Ponte Nova só agora está começando a ser limpa novamente. Os alunos que sobraram foram transferidos para a escola de Serra do Capim. Ainda tem os escombros das casinhas que foram arrastadas. Não queria mesmo que daqui a anos esses mesmos escombros permanecessem lá. Não é apenas uma questão de estética. É uma questão de amor próprio. O astral melhora quando o ambiente está limpo, bonito, arrumado.


Em Sebastiana já pararam com a distribuição de cestas básicas. O que no início foi ajuda essencial, estava começando a atrapalhar o desenvolvimento e a retomada a uma normalidade. Com ajuda privada, as lavouras já estão começando a ter condições de voltar a trabalhar. Mas a mão de obra estava faltando. Muita gente em casa, abastecido por ajuda externa, e com isso aumentando o etilismo. Outro dia parei para uma água num barzinho/armazém na beira da estrada em Vieira e soube que a moça que trabalhava lá estava em casa com depressão desde a enchente. Me dei conta que sempre achei que depressão fosse um problema de rico, e não de pobre. Também soube de crianças que estão com problemas na volta às aulas, pela perda de amiguinhos.


No início falaram na desapropriação da Fazenda Ermitage. Depois falaram que não seria possível. No final das contas, não sei o que foi decidido. Onde serão construídas as casas para os desabrigados, para as pessoas que moravam no Bairro de Campo Grande, que no último censo tinha 6 mil habitantes. Então decidi entrar no site da Prefeitura de Teresópolis para tentar descobrir alguma coisa. Para minha surpresa, a última atualização da parte de "Central de desaparecidos" foi no dia 25 de janeiro. Não sei mesmo porque isso me espanta. Praticamente 2 meses depois da tragédia, o caminho da Prata ainda está interditado. Simplesmente interditado, já que passo lá diariamente, em diferentes horários, frequentemente mais de uma vez ao dia, e nunca vi uma máquina trabalhando lá. Todos os carros tem que passar pelo acesso lateral (rua do Detran), que vai dar em uma obra na Rio-Bahia (contenção de uma encosta enorme, obra da CRT), e forma-se uma fila enorme de carros diariamente. Nunca vi a cidade tão esburacada em suas vias principais, nunca vi tanto abandono. Acho no mínimo desrespeitoso e ridículo esse número de "373 mortos e cento e poucos desaparecidos".



Também em alguma postagem anterior, falei que talvez tudo já tivesse sido esquecido quando o carnaval chegasse. A Prefeitura cancelou o carnaval na cidade. Era só mesmo o que faltava, a essa altura gastar mais dinheiro com um desfile (que sempre é horroroso), shows e festas. Chove há mais de uma semana. O tempo ficou cinza e frio. Acho que o carnaval foi uma pausa para todos respirarem e pegarem fôlego para o ano finalmente começar.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Cadê esse governo?????

Hoje dei uma parada na Escola Aluízo Souza Silva em Providência. É uma escola que não funciona desde a sua inauguração, porque foi construída na beira da estrada (BR 116), onde não tem passarela ou retorno para acessá-la. Seria uma escola para todo o ensino médio, com salas de informática, biblioteca, quadra, refeitório, enfim, tudo. Mas nunca funcionou, mesmo tendo sido inaugurada pelo governo do último prefeito. Eles recolhem muitos donativos, e os distribuem para todas as regiões do segundo distrito de Teresópolis. Algumas pessoas vão até lá buscar alimentos, ou então eles levam para as áreas AINDA isoladas, como Santa Rita. Parei lá para deixar algumas coisas que a Edith me trouxe, coisas vindas direto da França por aeromoças da Air France.
Fiquei, junto com o meu pai, conversando um pouco com o Martins, coordenador das ações de lá. Os problemas vão surgindo. Os agricultores encontram uma dificuldade imensa em entregar os seus produtos. Antes da enchente, eles empilhavam as caixas com a colheita na beira da estrada, em frente à lavoura, e um caminhão passava e recolhia. Hoje, eles precisam caminhar uma distância imensa, carregando caixas pesadas, uma a uma, até a beira da BR, onde os caminhões podem passar. Outro problema sério está senda a volta às aulas. As crianças estão sentindo enormemente a falta dos amiguinhos mortos ou desaparecidos. Amanhã o Martins vai buscar uma psicóloga na rodoviária que vem para trabalhar em algumas escolas. Voluntária do Viva Rio. O Viva Rio é quem mais faz doações nessa região. Tem muitas pessoas ajudando também, e isso o Martins fez questão de falar, mas o grosso vem do Viva Rio.
Onde está o governo, que já era para estar fazendo o que os voluntários ainda fazem? Já era para estar equipando novamente os agricultores, já era para estar dando apoio psicológico às crianças nas escolas, era para estar investigando esse aumento abusivo no valor dos aluguéis de imóveis.
Que governo é esse que rouba até não poder mais? Quanta burrice!!!!!! Se ele tivesse fazendo uma mínima política populista, teria cadeira cativa na prefeitura. O povo sentiria um mínimo de amparo, e isso faria uma diferença moral enorme. Não teria esse sentimento de abandono, que é o que eu mais vejo por aí. Pessoas isoladas, pessoas que perderam absolutamente tudo (inclusive vidas de pessoas direta e indiretamente relacionadas), pessoas sem a menor perspectiva de um futuro, ficam esperando alguma ajuda que chega eventualmente em um jipe ou uma moto ou por alguém a pé. Ajuda que chega de forma totalmente independente, dentro do limite que cada um pode oferecer. Enquanto isso, nosso digníssimo prefeito Jorge Mário faz o que????? Esse vídeo é uma pequena amostra do que anda rolando por aqui.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Noite de pesadelo


Essa noite tive muitos pesadelos.


Ontem fui a Santa Rita com o pessoal da WSPA e alunos da UNIFESO ver um cavalo machucado na enchente. Nada do que eu tinha visto até ontem, tirando o Vale do Cuiabá, chegou nem perto do que eu vi lá, ainda que 30 dias depois da chuva. Para começar, virou uma espécie de "cidade fantasma". O que restou - bares, casas, escolas, lojas - está completamente vazio! Não se vê ninguém nas ruas. Carros enterrados na lama, carros arrastados contra um poste, carros que não é mais possivel identificar a marca. Lama e lixo a uma altura não imaginável. Vilas inteiras simplesmente desaparecidas. Se eu não tivesse conhecido a região antes, não saberia que havia casas em determinados lugares, porque não tem nem vestígio dessas casas. Estou falando de casas boas, e não barracos. Estou falando daquelas famílias que sumiram por inteiro.


Chegando ao local, um antigo haras de puro sangue inglês, as famílias que moravam em suas casas dentro da propriedade estavam todas acampadas em um salão, no que deve ter sido um dia a sede. A Marta, uma protetora de animais, nos levou até lá. Ela própria leva roupas e alimentos (para gente e animais), no carro dela, enfrentando lama, água, buracos e sabe-se lá mais o que, para pessoas que estão isoladas em lugares onde só se chegou na SEMANA PASSADA (quase UM MÊS após a chuva). Nesse haras, tem gente desaparecida que eles imaginam estarem já enterradas em alguma parte da lama, que chega ao topo dos moirões dos piquetes. O potro estava já super bem cuidado pelo Edvaldo, que deu uma super prova de amor aos animais, se preocupando em conseguir medicamentos e tratar um potro quase selvagem, que só deixava ele se aproximar, ninguém mais.


Enquanto a cidade tenta retomar um ritmo normal, me deparo ainda com cartazes em lojas no interior onde se lê "Não fechamos. Estamos funcionando em tal endereço." Ou então, como no caso da Pensão da Ruth, em Ponte Nova: "Restaurante Aberto". Enquanto tentamos retomar a normalidade, escolas no interior ainda não funcionam, ou então as que funcionam, não tem vaga. Ainda escutamos histórias de desaparecidos, que ninguém sabe onde estão. Crianças ainda vibram com um brinquedo velho e usado, que foi doado.


A cidade está tentando reagir, tentando sair das mãos de um governo corrupto e incompetente. Mas enquanto isso, a sociedade civil ainda faz o que já tinha que estar sendo feito pela prefeitura. Ainda visitamos e ajudamos a manter abrigos. Ainda distribuímos alimentos. Ainda vamos nos nossos carros nas áreas desassistidas e ainda isoladas, mesmo 30 dias depois, como ainda faz a Marta, a Luiza, o Alessandro, a Patricia, a Michelle, a Lúcia, a Andrea, o Ricardo, a Ana e tantos outros.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Relexões de domingo III - Um mês depois...

Um mês depois da catástrofe, como está a cidade?
Aparentemente, muita coisa voltou ao normal. Quem não esteve por aqui nos dias críticos, quem não participou das primeiras 72 horas, não pode nem imaginar o que aconteceu. Quem veio passar esse fim de semana em Teresópolis, não viu mais barreiras pela estrada, não ouviu sirenes rodando pela cidade o tempo todo, não viu nenhum helicóptero cortando o lindo céu azul de mais um final de semana de sol. Temperatura agradabilíssima, restaurantes abertos, hotéis funcionando em sua maioria. Que bom.
Tem gente até fazendo turismo por Campo Grande, vários carros ainda andam mais devagar ao passar na Teresópolis-Friburgo na altura de Vieira para observar as pedras e as casas destruídas. E a poeira ainda deixa as suas marcas. Para a maior parte da sociedade, a vida tem que retomar seu ritmo pré-tragédia.
Mas basta passar na porta da Caixa Econômica para ver a constante aglomeração ao redor do painel com os nomes dos 3.000 beneficiados pelo aluguel social, que não será suficiente para pagar o aluguel super valorizado de uma casa, para quem tiver tido a sorte de encontrar uma. Alguns abrigos esvaziaram quase completamente. Os que funcionavam em escolas foram transferidos, como o de Venda Nova. Não tive notícias de Vieira essa semana, mas vou dar uma passada lá. O do Meudom continua recebendo mais gente, transferida de algumas escolas e igrejas. Muita gente arrumou a casa de algum parente para morar.
30 dias dormindo coletivamente. 30 dias comendo coletivamente. Zero de intimidade ou privacidade. Escolas que não vão voltar a funcionar por falta de alunos. Um bairro que teve que se mudar. Fábricas e comércio que tentam fazer as contas do prejuízo. Gente que prefere receber uma cesta básica do que voltar a trabalhar. Gente que prefere deixar de ir à praia no final de semana para ajudar. Nomes de conhecidos que ainda descobrimos na lista de mortos. A lista de desaparecidos pendurada na praça da Igreja. Será que vamos simplesmente nos acostumar com essa situação?
Dias 26 e 27 de fevereiro o CEAT vai fazer um Fórum de Prevenção e Gerenciamento em eventos extremos. Vejo que a coisa tem que ser multidisciplinar. Ainda me preocupo com o impacto psicológico das inúmeras perdas numa sociedade desmantelada. O que será dessa gente que sobrou? Como eles vão aprender a lidar com a morte? Será que eles também irão simplesmente se acostumar?

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ressaca


Como previsto, a vida vai voltando ao normal. Pelo menos para os que não perderam pessoas ou muita coisa. Percebemos algumas mudanças, no entanto. As escolas atrasaram o início das aulas em uma ou duas semanas, o que até me surpreendeu. A escola de Vieira ainda estava, até sábado, na luta para tentar levar os desabrigados para uma igreja, mas eles não querem sair. O que já era uma comunidade complicada, que convivia em pobreza, miséria, insalubridade e relações humanas tumultuadas, ficou mais complicada ainda. Em Vieira, onde passei hoje, as pessoas ainda tiram lama de dentro de casa e das calçadas e algumas casas continuam fechadas. Aos poucos vamos nos acostumando com os "buracos" formados pelos imóveis que não existem mais. De alguma forma, o ambiente é mais silencioso do que antes. Não sei dizer exatamente o que falta, mas acho que falta um pouco de alegria mesmo. Sobra poeira! Tudo e todos andam recobertos por uma camada de poeira.

A solidariedade humana ainda é vista com muita frequência. No CEASA de Friburgo, tem um pessoal que vem trabalhar todo fim de semana e rala muito. A Fernanda tem acompanhado de perto, e ralado junto. Eu estou tentando criar uma rotina "auto-sustentável" de ajuda, alguma coisa que não dependa tanto de mim mesma. O que vemos em todos os cantos é muito cansaço. É como uma imensa ressaca coletiva. Agora já dá para diminuir o ritmo um pouco. Não tem mais ninguem totalmente desabrigado ou passando fome. Mas as necessidades mudaram muito, e é hora de pegar um fôlego e seguir em frente.

Continuo me preocupando com a questão psicológica de uma sociedade que perdeu uma porção bastante expressiva de uma geração, e que ninguém nunca saberá exatamente qual foi. Continuo me preocupando com o lado "assistencialista" de doações. As pessoas precisam receber meios para trabalhar e lugar para morar. Não adianta o sujeito que trabalhava na lavoura ficar recebendo cestas básicas toda semana durante sabe-se lá quanto tempo até que ele tenha condições de comprar seus meios de trabalho novamente. Ele precisa de ajuda para começar a produzir logo. Cada vez mais, ouvimos as histórias de abusos na captação de cestas e suprimentos, mas prefiro pensar nos que são bons e merecedores.
A WSPA está fazendo um trabalho muito legal no auxílio e atendimento aos animais abandonados das regiões mais afastadas. Todos os dias saem grupos de alunos da FESO, junto com veterinários da WSPA e passam o dia tratando, orientado, alimentando esses cães e levando os que estão precisando de cuidados mais delicados para a Clínica da FESO. Tem sido um trabalho muito legal.

Coloquei uma foto que tirei sábado em Vieira. Ainda não me conformo com o tamanho e a quantide de pedras!

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Tragédia anunciada - atualização

A terceira criança, que foi removida para Saracuruna, também faleceu. A mãe perdeu três filhos de uma vez.

Tragédia anunciada

Não, não me refiro à chuva que poderia ter sido prevista pela meteorologia, nem às casas construídas nas encostas dos morros que todo ano desabam, o assunto nem tem relação direta com a catástrofe climática que assolou a região serrana. Me refiro a uma pequena comunidade que faz parte da minha vida diária, por estar localizada exatamente em frente ao local onde trabalho todos os dias. Em um dos meus primeiros posts (aqui) falei da casa que caiu na comunidade chamada "Porto", uma comunidade (termo politicamente correto, para não dizer favela) em frente ao Haras Boa Fé. Entre o rio e a rodovia estadual que liga Teresópolis a Friburgo, tem uma estreita faixa de terra, invadida, com pequenos casebres e uma população que cresce e se multiplica em ritmo galopante.

Todos já ganharam pilhas de tijolos de candidatos a vereadores e títulos de posse de prefeitos. Mas as portas das casas ficam dentro da faixa de proteção marginal da estrada (no acostamento mesmo), as janelas ficam em cima do rio, os pedestres (cada vez mais numerosos) transitam pelo acostamento e as crianças jogam bola de gude abaixadinhos colados à estrada. No início do mês, a primeira tragédia - a casa que rachou, mas não chegou a ser uma tragédia de fato. Hoje, sim. A VERDADEIRA tragédia.

Um motorista, policial cansado, voltando de 48 horas de trabalho e quase chegando em casa, dormiu por alguns segundos depois do primeiro quebra-mola, e invadiu o acostamento, batendo de frente numa casa. Brincando na frente da casa, estavam os 4 filhos do Zé Luiz, que é filho do Sassá, e o próprio Zé Luiz. Um dos meninos morreu na hora, duas das crianças foram levadas com vida para o hospital (uma com ferimentos leves e outra em estado mais grave), e a quarta ficou aguardando a chegada dos bombeiros, que a levaram de ambulância para o hospital, onde ela morreu ao chegar. O Zé Luiz, bastante ferido e em estado de choque, ainda está no hospital. A mãe das crianças está do mesmo estado que se imagina que qualquer mãe possa estar ao ver seus 4 filhos atropelados de uma vez. Uma tristeza sem tamanho. Esta é a notícia publicada no G1.

Há alguns anos levantamos a questão no Nossa Teresópolis. Falamos exatamente a respeito dessa comunidade, que poderia servir como teste para remoção de outras. São aproximadamente 70 famílias hoje. Não é difícil prever que algumas casas vaõ cair e que algumas pessoas vão morrer atropeladas. Grande parte dos moradores passa o dia vagando pela calçada, que é o acostamento da RJ 130. Muitos não querem sair de lá, e até me olham de cara feia, sabendo que eu gostaria de vê-los morando em outro local. Esse seria o momento de entrar uma assistência social, cadastrar todos, e desapropriar alguma área próxima para fazer a relocação. Quantas mortes serão necessárias para que isso ocorra?

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Escolas

Essa semana fiz uma pequena peregrinação por algumas escolas do segundo distrito de Teresópolis (pela Rio-Bahia) procurando uma vaga no quarto ano para a filha do Luciano, que trabalha comigo. A escola de Ponte Nova, que tem até o quinto ano, está fechada. A diretora estava de galochas tirando a lama e aguardando a vistoria da Defesa Civil. A escola não parece estar em perigo, e mesmo que reabra, onde estão os alunos???? Não houve perda por morte dos alunos, mas a imensa maioria perdeu suas casas, e está em casas de parentes ou abrigos distantes. A escola não tem previsão para reabrir. Outras escolas ainda estão abrigando gente ou servindo como centro de abastecimento, suprindo a população que mora perto, que vai buscar alimentos, material de limpeza, roupas e até material de construção.
Andando pela roça, vi muitas escolas bem cuidadas e com boa estrutura. Em Providência vi um "crime" - uma escola com estrutura até o nono ano, quadra, refeitório, biblioteca, sala de informática, tudo novíssimo, FECHADA!!!!!! Não funciona devido a uma briga da Prefeitura com a Concessionária Rio Teresópolis. A escola em questão fica muito perto da estrada e a Prefeitura quer que um retorno ou uma passarela sejam construídos. A escola de Venda Nova já foi desocupada e recomeça as aulas. É uma escola técnica agrícola, e tem 800 alunos matriculados. Os desabrigados que não puderam voltar para casa, foram transferidos para a Casa da Garotada, que é um orfanato, também em Venda Nova.
Mas o pior foi ouvir que a creche de Campo Grande, apesar de não ter sido destruída, não vai reabrir por falta de alunos. Nesse caso, falta por morte. A maioria das crianças morreu. Ai, ainda não me acostumei com essas histórias todas. Essa foto do INPE mostra uma área soterrada, antes e depois da catástrofe. E o número "oficial" de mortos e desaparecidos continua muito menor do que o real. Por que?????? Por que??????
As doações e contribuições continuam chegando a toda hora. Muito obrigada a todos.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Reflexões de domingo II















Ontem foi um dia especialíssimo. Fui com a Patricia levar os brinquedos no abrigo do Alto de Vieira. As crianças já a conheciam do final de semana anterior. Chegamos, e eles logo perguntaram se nós iríamos fazer alguma atividade com eles. Nunca vou me esquecer do brilho nos olhares quando abrimos a mala do carro. Combinamos que faríamos uma brinquedoteca, e assim todos os brinquedos seriam de todos. As crianças entraram na mala do carro e não queriam mais sair. Com muito custo, organizamos umas mesinhas e colocamos os brinquedos. Um deles veio me perguntar se poderia ficar com um dos bonecos, e eu disse que ele poderia brincar o quanto quisesse, mas que era de todos então ele não poderia levar para casa. E aí ouvi: "eu não tenho casa". Isso me partiu o coração. Assim como tamanha felicidade por alguns brinquedos também me deixou com o coração partido.

Tinha um pessoal de uma ONG (SOS Global) fazendo atividades de recreação com as crianças - eram psicólogos, recreadores, voluntários que se dispuseram a vir para Teresópolis para fazer qualquer tipo de atividade. Conversamos com muitas pessoas e chegamos à conclusão de que essa tragédia aflorou problemas antigos que sempre existiram. Essas crianças sempre conviveram com piolho, insalubridade, má alimentação e problemas de relacionamento dentro das comunidades. A vida no abrigo sob o olhar de tantas pessoas de fora apenas intensificou e expôs a situação.


O abrigo estava mais tranquilo, mais organizado e melhor atendido. Mas ainda longe de ser uma situação que dê dignidade a qualquer ser humano. As lavouras por toda a estrada estão voltando a ser trabalhadas. E as pessoas estão voltando para as casas que restaram. Não sei o que vai ser da zona rural. Hoje vi no Diário de Teresópolis que vai ter um acampamento do Rotary com o ShelterBox em Vargem Grande, o que atende a algumas pessoas do Terceiro Distrito. Ainda não vi nada a respeito do segundo Distrito. As pessoas do interior têm que ficar no interior, onde elas trabalhavam. O desemprego está aumentando cada vez mais, ouvimos a respeito de restaurantes, hotéis, fábricas, lojas e principalmente lavouras reduzindo o pessoal. A cidade vai enfrentar uma recessão das brabas.


As escolas são outro assunto de grande preocupação. A escola Municipal de Ponte Nova ainda está fechada, cheia de lama. Vários alunos desaparecidos, ou em outra localidade em casa de parentes, amigos ou abrigos distantes. Ouvi que uma escola perto do Quebra Frascos, com excelente estrutura, não vai reabrir porque dos 100 alunos que a frequentavam, morreram 80, restando apenas 20. O Município adiou o início das aulas para o dia 07 de fevereiro, mas ainda não vejo como isso vai acontecer.

Dizem que grandes idéias nascem em momentos de crise. Sei que de nada vale uma crise se não tirarmos uma experiência. Espero que a grande mobilização que vejo de ONGs, voluntários anônimos, interesse de todos, continue por muito tempo. A cidade precisava disso antes da catástrofe. Vai precisar ainda mais agora. Corro de um lado para o outro, tento levar alguma coisa para alguém. Mas dentro da minha experiência de vida, não sei por onde começar essa segunda fase, que agora vejo que será muito longa e a mais importante. Gostaria de poder confiar em políticos, em promessas, em grandes empresários. Mas sei que esse povo vai ficar desamparado, vai continuar na ignorância, na insalubridade, em condições de vida desumanas. Isso aqui não é a África, não é o Haiti, não é o Afeganistão. É a minha cidade. É o verde lindo que vi desde que nasci, é a terra por onde ando e trabalho. E nesse domingo de sol lindo, o céu azul agora contrasta com as montanhas de verde arranhado e pedras expostas, ainda me pergunto como é que caiu tanta chuva em tão pouco tempo, de onde surgiram tantas pedras e onde é que essa destruição toda vai levar essa cidade.


Coloco fotos das crianças com os brinquedos em Vieira. Dizem que as crianças não sofrem tanto quanto os adultos, por não terem tanta noção da realidade. Essas crianças sofrem, essas sabem exatamente a realidade que vivem. Mas os sorrisos...

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Hoje fui tomar um café com uma amiga que não encontrava há algum tempo. Cada uma contando as suas experiências durante esses últimos 17 dias, ela me contou que um amigo do pai dela, depois de ver a esposa, o filho e a nora serem arrastados pela enxurrada, tomou as duas netas pela mão, mas para não ser arrastado com as duas, teve que soltar uma para poder se segurar. Alguém pode se imaginar nessa situação? Ela também me contou que a moça que trabalhava na casa dela, que morava no Caleme, não apareceu para trabalhar até hoje. Ela tem notícia que ela está bem, não perdeu a casa nem a família, mas saiu de lá com toda a família e desapareceu. Não atende o telefone, não liga de volta. Deve estar morando na casa de alguém.
Isso me levanta uma questão seríssima - até que ponto essa política assistencialista é benéfica? Ou melhor, quando é que passa a atrapalhar? Passado o susto inicial e o luto, que durará por muito tempo para todos, as pessoas têm que retomar suas vidas normais. Mas passar o dia em um abrigo, com voluntários doando comida, cozinhando, organizando, e etc., pode ser bastante cômodo. Não estou generalizando, tem muita gente boa, bem intencionada e empenhada em ter sua vida, sua roça e seu trabalho de volta. Apenas considero que isso é mais uma importante parcela do trabalho de recuperação - a assistência social - orientando e estimulando as pessoas, e evitando que o "assistencialismo" seja mais cômodo do que o trabalho suado.
Na roça, o trabalho da defesa civíl está bastante adiantado. Em Venda Nova, de 130 pessoas, hoje só tinham 26 no abrigo. Os outros já voltaram para as suas casas, mas dependem ainda bastante do auxílio do abrigo. Hoje dei uma carona a uma moça, a Priscila, que carregava sua pequena Emily, de 2 meses, e estava aguardando um ônibus para o Imbiú, que fica no caminho de Sebastiana. Eu estava indo a Sebastiana levar algumas coisas que peguei no Rotary. Ela me disse que não perderam a casa onde moravam, mas que a lavoura onde eles trabalhavam acabou e o marido foi mandado embora. Coloquei-a em contato com uma pessoa que procura um casal de caseiros. Tomara que funcione, que eles aproveitem a oportunidade e mostrem um bom trabalho.
Amanhã vou para Vieira com a Patricia. Também pretendo ir a outros abrigos com crianças. Ela chegou em Teresópolis com o carro absolutamente LOTADO de brinquedos! Vamos ver a situação do abrigo, vamos ver se a prefeitura esteve lá, uma vez que já notificamos que as condições são muito précárias.
Espero muito que as pessoas voltem a visitar a Serra. Hoje fez um dia lindo, desses que só tem aqui! Quem não viveu de perto a tragédia, talvez nem note o que aconteceu. Basta não olhar para os cumes das montanhas.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Como falei ontem, a vida vai tomando um certo ar de normalidade. Hoje fez um dia desses maravilhosos de verão, que a todo hora do dia a gente agradece por não estar no Rio, onde devia estar fazendo uns 50 graus. O fim da tarde foi espetacular, as cores foram passando de azul claro a alaranjado, azul escuro e finalmente, noite de céu estrelado. Temperatura simplesmente perfeita.
Aproveitei que cheguei em casa um pouco mais cedo que o habitual e fui gastar o resto do dinheiro que a Beta depositou na minha conta como doação. Estou adorando gastar o dinheiro dos outros... Enchi a mala do carro de bananas, mamões e laranjas, e fui levar em dois abrigos na cidade, deixando um pouco para levar para Venda Nova amanhã. No final da minha pequena excursão fui encontrar alguns amigos para tomar uma cervejinha de fim de dia.
O assunto ainda não tem como deixar de ser outro. Como esses amigos são muito especiais, e são eles que vão castrar os cachorros que ficarão comigo no sítio, revivi a história do Cuiabá. Eles também reviveram os primeiros dias pós-catástrofe contando o que eles viram no Campo Grande quando foram levar comida para os bombeiros que estavam trabalhando no resgate. Um bairro de 6.000 habitantes, totalmente soterrado em uma catástrofe ambiental que ocorreu entre 1 e 4 da manhã. Casas, carros, lojas, bares, escolas, absolutamente sob escombros. Escombros enormes, pedras gigantescas, metros de lama. Como é que só tem 340 mortos e 240 desaparecidos? Se todos contam histórias de alguém que perdeu tudo e todos, como é que esse número pode ser real?
Depois encontrei com uma amiga da família que é psicóloga, e ela também comentou a respeito do trabalho voluntário de psicólogos no Hospital das Clínicas, onde pacientes gravemente feridos ainda tem que encarar a perda de diversas pessoas queridas da família, como filhos, netos e cônjuges. Ainda não conseguimos estimar o real impacto disso tudo sobre a região, imagino mesmo que seja inestimável. Ao ir em outra mesa me despidir de outros amigos, qual era o assunto? Exatamente isso - a quantidade de chuva, a mudança no relevo, o número de mortos, o impacto de tudo na nosse região...
A cidade ainda vive a tentativa de retomar a normalidade... E fico aqui me perguntando: como será passar a noite no abrigo, como mais 349 pessoas?

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Mais um dia...

Hoje não deu tempo para fotos, mas o dia foi bastante movimentado! Fui com a Márcia e a Natália no abrigo de Venda Nova. Elas levaram brinquedos e eu levei frutas para as crianças. Algumas famílias já estão voltando para casa, conforme a Defesa Civil vai vistoriando e liberando. Depois fui levar mais coisas no centro de arrecadação de Sebastiana. Lá não tem abrigados, mas eles distribuem para pessoas que estão por perto. São pessoas que perderam tudo. Todas as doações e distribuições estão sendo cadastradas. O pessoal de Sebastiana fez a maior festa quando me viu! E todos me chamam para tomar um café na casa deles quando estiverem bem instalados novamente.
A escola técnica de Venda Nova tem 800 alunos, e a diretora pediu ao estado para enviarem uma psicóloga para acompanhar o reinício das aulas. Ela está bastante preocupada com a questão emocional quando os alunos retornarem e tiverem que encarar ausências de outros alunos, funcionários e uma professora. Acredita-se que a distribuição de cestas básicas terá que durar pelo menos 6 meses, que é quanto tempo deve levar para as lavouras voltarem a produzir (a ponto de venda). Todos sentimos a falta de hortaliças nas prateleiras dos supermercados.
Ainda não me conformo com o número "oficial" de mortos e desaparecidos. Todos perderam alguém, ou conhecem alguém que perdeu vários membros da família. Não entendo o real motivo para não revelarem o número certo. No 16o dia pós tragédia, o número de mortos continua a aumentar: 838 mortos e 538 desaparecidos em toda a região serrana. E eu acho que tem MUITO mais. No 16o dia após a tragédia, muitas regiões continuam sem luz e sem água potável. No 16o dia após a tragédia, ainda se vê muita solidariedade. A vida vai retomando um certo ar de normalidade ou de conformismo.
Terminei o dia indo a Itaipava buscar os dois cachorros do CT do Vale do Cuiabá no abrigo. Amanhã eles serão castrados, e eu os levarei para o meu sítio em Ponte Nova, onde eles voltarão a ficar no campo tomando conta dos cavalos, como eles faziam antes. Me emocionei muito com a recepção que eles me deram. Me emocionei muito ao passar na estrada sobre o Vale do Cuiabá. Dessa vez não fui forte o suficiente e chorei.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Vieira - Teresópolis

Seguem dois e-mails de um amigo, o Wagner, que tem um sítio em Vieira. Oprimeiro é do dia 16 de janeiro, após a sua visita ao sítio no primeiro sábado depois da tragédia. Ou outro, do 24 de janeiro, após a sua visita no segundo sábado depois da tragédia.


16/01/11
Alo Amigos


vim agora de umas das áreas atingidas pelas chuvas, meu sitio fica ao lado da cabeceira do rio Vieira, a 5 km da cidade de Vieira, uma região agrícola e de morros, onde agricultores passam a cultivar no terreno plano perto do rio, ou aplainada cortando algum barranco.


A chuva deste ano deve ter sido a maior de 1 ou duas gerações, mas pelo formato das pedras o leito do rio voltou ao que era a milhares de anos. de 2 metros de largura passou a ter 100, e as pessoas que moravam neste leito tiveram que decidir entre enfrentar a enxurrada ou ficar em casa. Decisões difícieis, que decide sua vida e de sua família.


Meu sitio foi pouco afetado, por ser no topo de uma cadeia de montanhas e com 80% de mata, não tivemos enxurradas e apenas deslizamento localizado, mas muitos vizinhos perderam tudo nas águas ou nos barrancos que caíram logo em seguida, apenas para ficar em exemplo mais próximo, os caseiros perderam 6 pessoas da familia moradores na região (tios e avós) ,
a filha perdeu a casa, pois saiu 2 minutos antes dela desabar.


Vi de tudo, pessoas ajudando no salvamento e recuperação, pessoas roubando casas abandonadas mesmo de dia, pessoas conformadas e confiantes no futuro, e outras ainda paralisadas pelo choque da catástrofe.


Pude ver muita ajuda entre moradores, ajuda material chegando na cidade e mesmo sendo levada aos lugares distantes. Vi vizinhos que não se falavam dormindo sob o mesmo teto, e comendo na mesma mesa. Mãe se despedindo de filhos antes da água subir, e filhos que quase perderam a vida tentando chegar na cidade dos pais.


Não me cabe perguntar o porque de tanto sofrimento, um plano maior conduz nossas vidas e coloca tudo isto para nossa evolução, me cabe sim, ajudar no que for possível, seja materialmente ou em orações. A vida de todas as pessoas da cidade estarão fortemente abaladas e espero que com a alma fortalecida.


Wagner





24/01/11
Amigos


11o dia após o temporal da serra fluminense
Estamos voltando para o Rio depois de um final de semana na serra em nosso sítio em Vieira.
Os últimos dias de sol deram vivacidade à natureza, e no meio da destruição,as pessoas apesar de tristes, estão retomando seu trabalho nas lavouras.Levando verduras e legumes nas costas ou com ajuda de pequenos tratores por caminhos e pontes improvisadas. Até onde a vista alcança estimamos que um quinto da área cultivada foi perdida.

Chegamos por volta das oito da manhã do dia 20 de janeiro. Na Terê-Friburgo, RJ 130, alguns trechos sendo desobstruídos, com meia pista. Seis a sete máquinas no centro de Vieira, com diferentes logos, trabalhando na retirada de escombros e lama, pontes sendo refeitas, linhas de telefonia e de eletricidade em recuperação.

Ao visitar conhecidos que perderam as casas, ficamos felizes pela assistência dada a esses moradores.

Cestas básicas e roupas distribuídas com fartura, trilheiros de moto indo de casa em casa onde apenas se passa por trilhas devido aos desbarrancamentos perguntando a idade das crianças, a necessidade de remédios e voltando em seguida com os medicamentos, fraldas, leite, brinquedos. Soldados do exército retirando a lama de casas, cruz vermelha e veículos 4X4 de voluntários circulando e distribuindo víveres e água mineral. Assistência não está faltando.

O antigo posto foi destruído, por isto um provisório foi instalado em uma escola municipal, médicos e enfermagem atendendo a todos, fornecendo remédios e vacinando contra tétano.

Difícil está sendo conseguir máquina para desobstruir vias vicinais. A solução costumeira dos vizinhos se unirem num trabalho de mutirão desta vez não é possível porque os troncos a serem retirados são muito grandes. Não há máquina particular disponível para ratear o custo. A solução foi correr atrás de máquina do poder público, o que só ocorreu hoje.

A energia elétrica voltou em 7 dias, proporcionando o conforto de água gelada, banho quente, roupa lavada na máquina, iluminação à noite, rádio e televisão. A telefonia demorou mais e não está totalmente restabelecida. Nos momentos em que está funcionando possibilitou ter notícias de parentes e amigos, alguns que se julgavam perdidos.

As atitudes tem sido as mais variadas. Desde aquele que agradece ajuda porque já a recebeu e naquele momento não precisa até o que acumula doações para vendê-las. O dono de supermercado que abriu um caderninho de fiado, para suprir as necessidades imediatas dos seus fregueses, aquele que fechou as portas e demitiu funcionários pois suas vendas ficaram quase nulas, e o que aumentou demasiadamente os preços de arroz e feijão, sendo autuado pela polícia.

Percebe-se a falta de informação das pessoas do local. O rio Vieira parece ter retomado seu curso natural, desviando-se em muitos metros do caminho que tinha recentemente. Depois de uma semana sem chuva voltou a correr em seus dois metros de largura, mas deixando uma margem de aproximadamente 50 metros para cada lado cheio de pedras. È como se ele estivesse cansado de ficar tão apertado nos últimos 100 anos, e retornou ao tamanho original de milhares de anos....

Tidas como terras particulares, os donos pretendem aterrar as margens e voltar a plantar e mais tarde construir, ainda há terrenos cedendo, casas debaixo de voçorocas que a cada ano aumentam, e nesta enxurrada em particular, transformaram-se em gargantas, sem que as pessoas se convençam do perigo que correm.

Neste momento a pressão por moradia é enorme, a maioria das famílias desabrigadas está vivendo com parentes, outras em abrigos.

O tempo que cura feridas, também faz esquecer os perigos. Vivemos em uma época de extremos, a superfície vegetal nunca esteve tão devastada e a chuva tão intensa. Se algumas áreas que não eram de risco desabaram, as de risco desabaram todas.

Na região serrana todas as pessoas foram atingidas pela chuva de 12 de janeiro, seja pela perda de parentes ou amigos, pelas perdas materiais, ou pelo sério impacto econômico que já se faz sentir na região. A corrente de solidariedade se fez sentir em cada necessitado, a capacidade de recuperação dependerá do poder público, de cada indivíduo atingido, e daqueles que contribuíram para amenizar suas perdas.

A natureza não está reagindo contra nós, apenas retornando o que mudamos ou retiramos dela, cabe a nós aprendemos a conviver com ela, e nisto não estamos nos saindo bem.


Wagner

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Uma segunda quase normal

Ainda escutamos as histórias tristes, ainda ficamos sabendo de perdas humanas. Mas já não escutamos tantas sirenes e helicópteros, não vemos mais tantas notícias nos jornais, na tv ou na internet. A verdade é que tentamos voltar ao normal. No entanto, ainda me preocupo com a moradia dos milhares de desabrigados. Não há casas prontas para tantos em Teresópolis.
Bom, a semana começou e muita gente tenta correr atrás do trabalho acumulado. Amanhã vou com um mágico nos abrigos de Venda Nova e Vieira, ele vai distrair um pouco a criançada.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Reflexões de domingo







Tive que dar uma descansada nesse domingo. Recuperar forças para a semana, aproveitando que ainda tem o pessoal que veio do Rio para dar uma força. Falei com a Michelle a respeito do abrigo de Alto Vieira, e vamos investigar se o abrigo está cadastrado pela prefeitura. A Michelle também vai avisar à Vara da Infância. Dessa forma, talvez possamos ajudar de alguma forma a tirar aquelas pessoas de condições insalubres, totalmente desumanas.


Todas essas ações são muito imediatistas e necessárias. Mas me parece que essa parte está mais organizada. As pessoas estão temporariamente acomodadas, os abrigos bem abastecidos, muitos voluntários trabalhando e muita solidariedade pelo país afora. Em termos locais, posso dizer que em um domingo de sol, as pessoas que não tiveram perdas, quase podem esquecer a tragédia toda. As sirenes não tocam mais com tanta frequência, não há mais aquela quantidade toda de helicópteros e o som da cidade, pelo menos na minha casa, é o normal de todos os domingos bem silenciosos na cidade.


Mas quando pego o jornal, vejo que o caminho vai ser longo. A questão sanitária é muito preocupante. Ontem me fizeram uma pergunta que não sei responder. Quanto tempo esses corpos não resgatados e misturados na terra fica contaminando a água? Que tipo de epidemias surgirão como consequência? O que vai ser feito com as comunidades que de fato ficam nas encostas, mas que por algum mero acaso não despencaram ainda?

Até entendo que a cidade não estivesse preparada para a maior catástrofe climática do país, acho que nenhuma cidade estaria. Mas a recuperação tem que ser rápida e eficiente de qualquer forma. Como explicar que o interior da cidade, a roça onde ficam as lavouras, depois de 11 dias continua sem luz???? As lavouras que restaram da enchente estão sendo perdidas agora por falta de energia elétrica para irrigação. Como explicar que o prefeito da cidade dispensa a ajuda da Cruz Vermelha, em meio a 400 mortos, milhares de feridos e trocentos desaparecidos? Como acreditar que o campo vai se reerguer e que o turismo vai voltar a garantir o sustento de inúmeras famílias? Como se faz para ter esperança que essas pessoas não ficarão anos em abrigos, dormindo em salas coletivas, ou não terão que habitar as encostas que cairão novamente um dia?

Eu queria dormir e acordar em um mundo onde as pessoas serão amparadas, terão casas dignas para morar em locais seguros, terão verbas para refazerem o seu meio de vida. A cidade vai voltar a produzir, o interior vai voltar a ser aquela paisagem onde as lavouras parecem uma colcha de retalhos, e a produção vai garantir emprego para todos. Os políticos não aproveitarão a liberação de verbas sem licitações garantida pelo estado de calamidade para engordar suas contas bancárias. "Falsos voluntários" não aproveitarão doações para renovar o guarda-roupa e "falsas vítimas" não se aproveitarão da situação para ganhar cestas básicas sem que tenham verdadeira necessidade.


Enquanto isso, coloco essas fotos tiradas hoje da Teresópolis-Friburgo, olhando em direção à Teresópolis, observando o alto das montanhas que ficam acima da região afetada. Campo Grande era um vale. Não era um morro. Quem diria que essas montanhas iriam um dia se "esfarelar", como acontece com o castelo de areia quando seca?



sábado, 22 de janeiro de 2011

Miséria




Patricia hoje começou o dia no "postinho" de Vieira, improvisado numa escola. Muitos casos de asma (a poeira é enorme) e muitos de diarréia. De lá, ela foi para um abrigo em Alto Vieira, onde a situação estava muito além de crítica. Miséria, abandono, ignorância. O triste é pensar que essas pessoas não somente perderam tudo, mas já viviam em condições de miséria antes da tragédia. Miséria rural. Ela passou uma tarde exaustiva.

Ainda bem que teve esse feriado no Rio, e muitas pessoas vieram ajudar, amanhã a Fernanda vai para Vieira colocar a mão na massa, levando também muita coisa arrecadada. Isso tem sido essencial, já que os voluntários daqui estão exaustos. Foram 10 dias de um desgaste emocional e físico enorme. O que se vê nos rostos das pessoas é a exaustão. Os bombeiros estão exaustos, e é muito triste ainda achar corpos depois de 10 dias, como aconteceu hoje em Vieira. O número real de mortos? Acho que nunca se saberá. Uma reportagem do globo.com dá o número de desalojados e desabrigados em toda região serrana: mais de 20 mil em 7 municípios. Teresópolis tem 319 mortos, 960 desalojados e 1280 desabrigados e 177 desaparecidos. Continuo achando esses números errados pelo tamanho do estrago que eu vejo. Quando trouxe o meu carro, que finalmente passou a manhã no salão ficando bonitinho outra vez, o Carlos, que trabalha na oficina, comentou que perdeu 80 pessoas da convivência dele. Alguém se imagina, em 4 horas, perdendo 80 pessoas da sua convivência? Eu não.

Patricia conheceu um pessoal muito legal voluntariando nesse abrigo em Vieira - 2 médicos da família, uma pediatra e uma psicóloga. Tenho certeza que fizeram muito pelo pessoal do abrigo. Mas ainda me arrepio com as histórias que contam. Algumas de cortar o coração, como o menino de 4 anos cujos pais perderam o mecado (sustento de 5 famílias) mas não perderam a casa, e ele doou todos os brinquedos dele para o abrigo. Outras de ferir o coração, como o corpo de um menino que foi encontrado hoje a uns 5 quilômetros da sua casa. Mas prefiro sempre pensar na solidariedade de tanta gente. Gente que veio de todos os cantos - Rio, Itapecerica da Serra, Bahia e tantos outros. Eles enfrentam todo tipo de absurdos, mas não desistem. A Verônica, residente de medicina da Bahia, foi proibida pelo Conselho de atender, por não ter pago a licença do CREMERJ. Caso ela clinicasse como voluntária na maior tragédia do País, com milhares de mortos, feridos, desabrigados e desaparecidos, ela teria que pagar uma multa.




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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Encaminhando mais um comentário

Segue abaixo um e-mail que a minha amiga e colega de profissão e UNIFESO, Carla, me mandou. Eu acho que devemos refletir muito a respeito das palavras dela. O que eu sinto nessa situação toda passa muito pelo que ela escreveu.


carla moura para mim
mostrar detalhes 10:16 (14 horas atrás)

Oi Paulinha,
entendo perfeitamente o que sente. Escrever é uma maneira de exteriorizar todo esse sentimento que mistura tristeza, amor, raiva, angústia, solidariedade, etc... Nos sentimos impotentes diante do caos.
Nesta semana escutei estórias de todos os meus amigos sobre Teresópolis. Todos tinham uma situação de perda, morte de pessoas próximas e dor. Vários tinham ido a enterro de pessoas conhecidas. Pensei, o que está acontecendo? Parece que todos estamos direta ou indiretamente envolvidos nesta catástrofe. Como sempre procuro buscar respostas para minhas perguntas. Só consigo chegar a conclusão, dentro da minha crença, que isso ocorreu para a gente acordar.
O que estamos fazendo com os nossos valores, com o nosso amor ao próximo, com os nossos sentimentos. Estamos nos tornando cada vez mais individualistas e pobres de espírito. Essa corrente de solidariedade nos faz perceber que ainda existe chance para um mundo melhor, mais fraterno e de compaixão ao próximo.
Devemos neste momento olhar para dentro de nós e perguntar, o que eu vim fazer aqui nesse mundo?


Continue escrevendo, além de ser uma ótima jornalista, uma excelente veterinária, é um ser humano maravilhoso.
Bjs e boa sorte nessa empreitada.







Hoje a Patricia foi para o abrigo no CIAP de Venda Nova, que é uma escola técnica agrícola. O lugar é lindo, cheio de plantações, flores, espaço, quadra, e abriga 150 pessoas, sendo 50 crianças. Nessa região, não teve tanta morte e as pessoas são desalojadas. Existe uma diferença entre desalojar e desabrigar. Consultando o dicionário, desalojar significa fazer sair do lugar ocupado, abandonar o posto, deixar o lugar onde se encontrava, sair do alojamento onde se residia. Já, desabrigar significa tirar o abrigo, desamparar, desproteger. Em Venda Nova, assim como em Sebastiana, a maioria das pessoas estão desalojadas. Algumas tiveram suas casas condenadas ou foram consideradas em áreas de risco. No abrigo da Igreja Metodista na Barra, onde estão muitas vítimas da região de Campo Grande, Posse e redondezas, a maioria está desabrigada. E é nessas pessoas que a gente vê exatamente o desamparo.
Até quando uma pessoa aguenta viver em um abrigo? O que vai acontecer quando a vida tiver que voltar ao "normal"? Eles vão ganhar aluguel social, mas a cidade não tem mais imóveis para alugar, e os preços subiram astronomicamente, já que a procura está acima da oferta. Ontem pensei demais no desemprego e no êxodo rural, e confesso que tenho muito medo que a cidade vire uma grande favela e o interior um grande deserto. Além disso, o inverno vai chegar e o sofrimento vai aumentar. Com que condições psicológicas essas crianças vão crescer?
Pela manhã fui com a Edith levar donativos mais uma vez na queridinha Sebastiana. É que eu fico com muita pena dessa gente que anda quilômetros por uma vassoura, um rodo, um balde e uma água sanitária. Mas a situação parece estar melhorando por lá, com as pessoas tentando voltar para casa. Já tem água mas ainda não tem luz. As estradas já estão bastante limpas.
Mais tarde fui levar a Patricia, a Beth e a outra moça (que agora esqueci o nome, mas amanhã eu colocarei) em Vieira para ver o que o pessoal estava precisando por lá. Essas duas moças são estudantes de um curso técnico de enfermagem, e vieram do Rio no fim de semana passado e neste (incluindo o feriado de quinta no Rio), voluntárias de iniciativa própria, para ajudarem no que pudessem. São pessoas ótimas. A Beth perdeu vários amigos que moravam na Posse. Uma grande amiga dela perdeu a maior parte da família, incluindo o bebê de 7 meses que ela carregava na barriga, mãe, irmãos, etc. e etc, e está internada no Miguel Couto muito grave. A gente não para de ouvir essas histórias. E também não pára de ver as imagens da destruição, do cataclisma, da avalanche, dos morros pelados por toda a parte, da lama que está virando poeira mal-cheirosa. Passando por Vieira hoje, me perguntei quantos corpos devem estar entrando em decomposição misturados nessa lama que chega a quase um metro de altura nas casa, provocando o fedor insuportável.
Para fechar o dia, passamos no abrigo do Meudon para deixar alguns remédios que a Patricia tinha conseguido. Aproveitamos para dar uma parada na cozinha para perguntar quando eles precisariam de carne novamente. Vou usar parte do dinheiro que a Sandra depositou na minha conta para comprar o frango do almoço de domingo. O abrigo está super bem organizado, limpíssimo e a comida que o Lucas faz é maravilhosa. O Lucas veio de Itapecerica da Serra e tem trabalhado de forma incansável cozinhando em panelões enormes para toda essa gente. E a comida é maravilhosa. Ele nos deu um prato de sopa de aipim com carne seca, que estava simplesmente demais! Além disso, o astral dele é contagiante.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Hoje
















Hoje foi um dia animador. Nada como um lindo dia de sol na serra, e mais ainda, essa magnífica lua cheia, com céu estrelado e sem uma nuvem. Podia ser sempre assim. Podia ter sido sempre assim. Ainda não entendo exatamente por que isso tudo aconteceu. Dá até para esquecer por alguns momentos quando sinto esse cheirinho de jardim que só sente quem sobe a serra. Mas são breves momentos. Agora há poucos minutos eu estava com a minha família, cada um contando os acontecimentos do dia. Patricia (minha irmã) veio do Rio e passou o dia no abrigo da Igreja Metodista, muito bem cuidado pela minha amiga Michelle. Tudo limpíssimo, organizado e ainda muito bem abastecido, graças aos esforços incansáveis que vem de toda a parte do país. Nunca se viu uma mobilização tão grande! Isso prova que as pessoas de bem estão em quantidade bem maior do que as pessoas que não valem um segundo sequer do nosso pensamento.


Patricia é pediatra. Atendeu às crianças, organizou as prescrições e medicamentos, e ainda viu alguns adultos. Amanhã ela vai com duas auxiliares de enfermagem, voluntárias, para a escola agrícola de Venda Nova. Lá tem 130 pessoas, e a diretora Andrea ficou felicíssima com a possibilidade de ter uma pediatra lá amanhã o dia todo. A Patricia também escutou todo tipo de história - resgates, perdas, salvamentos e mortes. As pessoas ainda estão tendo a necessidade de falar. Ela entendeu o que eu queria dizer quando eu falava que quem não viu (ao vivo), ou quem não tem o coração na serra, não tem a dimensão exata do que significa mais de 700 mortos (talvez nunca se chegue ao número exato) e milhares de desabrigados na nossa região.


Hoje, quando fui a Ponte Nova, já senti na carne o êxodo rural. As pessoas não têm onde morar na roça. Além disso, incontáveis lavouras se tornaram improdutivas e incontáveis estabelecimentos comerciais perderam tudo e tiveram que fechar as suas portas. Além disso, diversos sítios, fazendas e haras simplesmente não existem mais. Temo que o interior vire uma imensa "cidade fantasma". Espero que o governo estadual/municipal não se esqueça disso. Eu vinha de Ponte Nova por Sebastiana para chegar em Vargem Grande sentindo isso, quando me ligou o meu grande amigo, colega de profissão, coordenador da Veterinária na UNIFESO e companheiro de diversos momentos difíceis da minha vida - André. Conversamos longamente sobre essa questão. Muitos alunos da faculdade estão com medo de retornar à cidade, ou seus pais estão passando por grandes dificuldades financeiras por terem perdido tudo. É impressionante, mas parece que todo mundo perdeu tudo - seja material, afetivo ou emocional. De alguma forma, cada habitante de Teresópolis perdeu alguma coisa ou muita coisa.


Falei anteriormente que foi um dia animador porque vi máquinas trabalhando, estradas desobstruídas, pontes quase refeitas e o sol lindo na serra. Vi também que todas as minhas amigas estão super empenhadas ajudando. Não me canso de exaltar a solidariedade que tomou conta do País inteiro. No fim do dia chegou o Russo com uma kombi cheia de coisas doadas por amigos e também por funcionários da Holos, do Lorenzo. O coitado do Russo chegou tardíssimo porque a combi quebrou na estrada, mas chegou! Como era tarde, deixei para entregar amanhã em Sebastiana, região que me parece a mais esquecida dos lugares por onde ando. Amanhã também tem mais coisa da Edith. O Russo ficou impressionado com o trânsito de caminhões com donativos subindo a serra.


Terminei o dia comprando vassouras, rodos e baldes, artigos de luxo que estão em falta em Sebastiana. Acho que adotei Sebastiana. Fico arrasada quando tenho pouca coisa para levar para lá. Tem um pessoal nota 10 - a Glória e o Jaime (que hoje estavam em uma reunião na prefeitura), e o Alexandre, dono do bar e da garagem que usamos para triagem dos donativos, montagem das cestas, cadastramento dos "moradores" e finalmente, distribuição. O Alexandre tem essa bar há 16 anos, e conhece todo mundo por lá. Cada um que chega, ele me diz: "Esse é o seu fulano, que mora na Gamboa, deve ter andando uns 8 quilômetros para chegar aqui, e tem 4 filhos" - e sai falando os nomes dos filhos.


Na volta para casa, encontrei a Patricia, que saía do segundo abrigo que ela foi, e compramos carne para levar no abrigo do Meudom, onde deve ter uns 300 alojados. Eu tinha recebido uma mensagem da Aline dizendo que eles não tinham nenhuma carne para colocar no jantar de hoje. O Walter, amigo meu de colégio e que atualmente mora em São Paulo, foi o generoso patrocinador dessas compras de hoje. Saindo desse abrigo, que fica em um galpão no alto de um morro no Meudom, tive a vista do morro do outro lado da estrada. E fico mais triste ainda de saber que a maior parte das regiões afetadas não fica em áreas de risco - ou seja, é como se um meteoro tivesse caído do céu aleatoriamente em algum lugar da Terra. Só que esse lugar da Terra foi justamente na minha querida Terê.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Enaminhando outro comentário

Mais uma resposta muito bacana. O Manuel e a Ziza são pessoas muito especiais, e pelo visto, passaram por situação parecida em Angra, ano passado.

Não sei ainda como alterar a postagem de comentários, mas basta clicar na palavra "X" comentários, abaixo do texto.

Obrigada a todos pela participação!



José Manuel Resende para mim
mostrar detalhes 09:35 (14 horas atrás)

Cara Amiga,
Desde que ouvi os primeiros comentários da tragédia, tua imagem não mais saiu do meu pensamento e se não te liguei antes foi por medo da resposta (ou não resposta).
Todos estes dias tenho tentado compreender a impotência e a distância que sinto perante tal acontecimento e só a resignação restava para aliviar essa incapacidade do pensamento.
Senti esse silêncio profundo que falas, no ano passado, quando a tragédia também passou por Angra e muito ligeiramente pudemos sentir os efeitos causados, em nossa própria comunidade.
Essa sensação que descreveste fez desaparecer a abstracção que sentia, para dar lugar agora à partilha de um sentimento comum.
Ao silêncio onde está o teu, junto o meu, porque os apelos têm de ser feitos sem voz para que sejam ouvidos ou se perdem em promessas e demagogias.
Escrever é silêncio e te agradeço a perpetuação desta reflexão que jamais será apagada da minha memória, carregando para sempre a lição da tua atitude.
O que sobra de uma desgraça só tem sentido se transformado na maior capacidade do ser humano: dar.
Obrigado por partilhares teu sofrimento comigo.
Estou totalmente disponível para contribuir para qualquer necessidade pessoal e profissional, uma vez que a área de arquitetura pode ser necessária para algum fim.
Peço-te que não esqueças.

Abraço
José Manuel Resende

Mais um dia






Hoje comecei o dia levando algumas poucas coisinhas no abrigo de cães no Meudon, que está cada vez mais cheio. Lembrei de uma cadelinha que conheci no Manège do Nelson Pessoa, numa das viagens que fiz para levar alguns cavalos. Ela se chamava Katrina. Adivinhem por que? Exatamente, foi resgatada de um abrigo, salva do Katrina nos Estados Unidos. Extremamente inteligente, fofa, tudo aquilo que se espera do vira-lata perfeito.

Recebi um telefonema do Hilton, pai de amigas minhas, e que trabalhou comigo na Nossa Teresópolis. Não sei como, o blog chegou até ele. Isso me deixou bem satisfeita, porque o objetivo é realmente atingir o máximo possível de pessoas. E o Hilton é gente da terra, conhece muita gente e participa de muita coisa na cidade. Ele se solidarizou com o que eu sinto e escrevo aqui. Ele foi voluntário no IML nos primeiros dias, coisa que eu jamais teria condições de fazer. Nem dentro do IML e nem na porta, tentando amenizar de alguma forma o sofrimento das famílias. Nos sentimos quase culpados por estarmos bem. O Hilton e eu coordenávamos o grupo de trabalho de Habitação da Nossa Teresópolis. Como projeto piloto para remoção de comunidades de áreas de risco, escolhemos uma comunidade pequena e que se encontra em super risco - exatamente na frente de onde eu trabalho, no Haras Boa Fé. Trata-se de uma faixa de terra de uns 15m de largura, entre uma rodovia estadual e um rio. As crianças brincam no acostamento, onde ficam também as portas das residências. É claro que é uma área invadida, e eu já andei lá por dentro e vi colunas de casas dentro do rio. Não preciso dizer que é zero de saneamento, e o esgoto de todas as casas cai diretamente no rio. Não foi adiante, apesar da palavra que me foi dada pessoalmente pelo atual prefeito da cidade: "vou fazer isso no meu primeiro ano de governo"... Talvez, se tivesse sido feito, a Viviane, moradora de lá, que perdeu a casa dela nessa chuva, não estaria morando amontoada na casa de algum parente ou vizinho, que também pode perder a casa a qualquer momento. Talvez, se tivesse sido feito, já haveria alguma idéia de como começar a construir as casas populares na Fazenda Ermitage, que foi desapropriada ontem. Já saberiam o que funcionou e o que deu errado, e erros seriam minimizados de alguma forma nesse momento de mais de 3.000 desabrigados.
Hoje o Milton Blay, correspondente internacional da Bandnews, disse que o Le Monde fez uma reportagem metendo o pau no Brasil, e de como essa catástrofe toda está sendo conduzida, suas causas, como poderia ter sido minimizada, e comparando o Brasil com Bangladesh! Olha a que ponto chegamos...

Para finalizar, coloco algumas fotos de Vieira, por onde passei hoje indo a um sítio em Conquista. Ainda fiquei impressionada com o tamanho das pedras que rolaram, com a alteração da paisagem e com a mudança no curso do rio na frente do St. Moritz. Me dei conta que casas pela metade ou pessoas procurando objetos nos escombros não me impressionam mais. As máquinas já estão trabalhando, e a presença maciça do exército, mais uma vez, me deu a impressão de estar numa guerra. Mas o que me deixou triste mesmo, foi ainda o silêncio dentro do supermercado, onde parei na volta do trabalho para comprar uma cesta básica para o Messias, afinal, o armazém de Ponte Nova foi destruído. A atendente da caixa ainda me parecia meio em estado de choque. Eu já estava irritada com a lerdeza da fila, quando me dei conta que ela não estava bem. Mais uma vez, ouvi uma história de alguém que teve que deixar tudo e se abrigar na casa de algum conhecido. Ela morava no Salaco.