quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ressaca


Como previsto, a vida vai voltando ao normal. Pelo menos para os que não perderam pessoas ou muita coisa. Percebemos algumas mudanças, no entanto. As escolas atrasaram o início das aulas em uma ou duas semanas, o que até me surpreendeu. A escola de Vieira ainda estava, até sábado, na luta para tentar levar os desabrigados para uma igreja, mas eles não querem sair. O que já era uma comunidade complicada, que convivia em pobreza, miséria, insalubridade e relações humanas tumultuadas, ficou mais complicada ainda. Em Vieira, onde passei hoje, as pessoas ainda tiram lama de dentro de casa e das calçadas e algumas casas continuam fechadas. Aos poucos vamos nos acostumando com os "buracos" formados pelos imóveis que não existem mais. De alguma forma, o ambiente é mais silencioso do que antes. Não sei dizer exatamente o que falta, mas acho que falta um pouco de alegria mesmo. Sobra poeira! Tudo e todos andam recobertos por uma camada de poeira.

A solidariedade humana ainda é vista com muita frequência. No CEASA de Friburgo, tem um pessoal que vem trabalhar todo fim de semana e rala muito. A Fernanda tem acompanhado de perto, e ralado junto. Eu estou tentando criar uma rotina "auto-sustentável" de ajuda, alguma coisa que não dependa tanto de mim mesma. O que vemos em todos os cantos é muito cansaço. É como uma imensa ressaca coletiva. Agora já dá para diminuir o ritmo um pouco. Não tem mais ninguem totalmente desabrigado ou passando fome. Mas as necessidades mudaram muito, e é hora de pegar um fôlego e seguir em frente.

Continuo me preocupando com a questão psicológica de uma sociedade que perdeu uma porção bastante expressiva de uma geração, e que ninguém nunca saberá exatamente qual foi. Continuo me preocupando com o lado "assistencialista" de doações. As pessoas precisam receber meios para trabalhar e lugar para morar. Não adianta o sujeito que trabalhava na lavoura ficar recebendo cestas básicas toda semana durante sabe-se lá quanto tempo até que ele tenha condições de comprar seus meios de trabalho novamente. Ele precisa de ajuda para começar a produzir logo. Cada vez mais, ouvimos as histórias de abusos na captação de cestas e suprimentos, mas prefiro pensar nos que são bons e merecedores.
A WSPA está fazendo um trabalho muito legal no auxílio e atendimento aos animais abandonados das regiões mais afastadas. Todos os dias saem grupos de alunos da FESO, junto com veterinários da WSPA e passam o dia tratando, orientado, alimentando esses cães e levando os que estão precisando de cuidados mais delicados para a Clínica da FESO. Tem sido um trabalho muito legal.

Coloquei uma foto que tirei sábado em Vieira. Ainda não me conformo com o tamanho e a quantide de pedras!

Um comentário:

  1. "As pessoas precisam receber meios para trabalhar e lugar para morar."
    Paulinha, concordo totalmente com você, é hora de reunir esforços e organizar cooperativas ou algo semelhante para que as pessoas possam ter como compartilhar dores e esperanças, juntos ficarão mais fortes. Eu penso que uma cooperativa de artesãos é um bom começo rsrsrs, estou aqui para o que der e vier. Já falei com a Fernanda e ela está com algumas poucas amostras dos trabalhos feitos com o reaproveitamento de lixo urbano (pet, vidro, potes de shampoo, água sanitária, jornal, latas, pedaços de tecido) enfim, são pequenas coisas, mas que com organização já tem tido muito sucesso em outros lugares (nas favelas por exemplo).
    O que não se pode, é deixar a chama desse momento se apagar e que cada um siga seu caminho de depressão só e desamparado, cabe, pelo visto aos que arregaçaram as mangas, convocar pessoas que possam ajudar nessa nova fase.
    Da minha parte, orações e o desejo da força de Deus para todos vocês.
    Conte comigo
    bjs
    Tia Raqauel

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